terça-feira, 30 de setembro de 2008

Pelas Províncias - Benguela

Como já disse uma vez a Flávia, "se esta casa não fosse só de Luanda..." Pois esta semana resolvi botar a mochila nas costas para conhecer as províncias de Angola. E a primeira é Benguela.


Praça do Governo Municipal

Localizada a 692 quilômetros de Luanda, Benguela é considerada a segunda economia do país. Estima-se que tenha 600 mil habitantes (faz muito tempo que não se realiza um censo por aqui) e tem o Porto de Lobito, o segundo mais importante, que está passando por uma reforma avaliada em 1,8 bilhão de dólares.

Praia Morena, na orla da cidade de Benguela, capital da província

A capital da província também se chama Benguela e tem como principal ponto turístico a Praia Morena, que atrai milhares de pessoas nos finais de semana. Durante a semana, sua areias ficam vazias, apenas com alguns garotos a jogar futebol, ou crianças a tomar banho no mar gelado no intervalo das aulas. O sol é forte em Benguela, mas a brisa fresca que sopra do mar (pelo menos nesta época do ano), diminui a sensação de calor.

Alpendre do restaurante GMX, na beira da Praia Morena

Comparada com Luanda, Benguela parece um lugar mais arejado. As ruas são mais largas, mais limpas, existem ainda mais casas com quintais do que edifícios. O trânsito é mais disciplinado e bem mais leve, os carros param para os peões atravessarem e há sinalização de trânsito. Até os candongueiros estão mais bem conservados.

Fonte numa das rotundas: motoristas bem mais disciplinados

Há uma quantidade enorme de motocicletas que fazem o serviço de Cubabata. A palavra, em umbundo, significa "a rascar", como tentaram explicar-me alguns angolanos a quem pedi ajuda. Como brasileiro, fiquei na mesma, claro. Na prática, é o que chamamos no Nordeste de mototáxi.

A sede do MPLA, num dos largos (praças) principais da cidade

As sedes do Tribunal Judicial (esq.) e do governo municipal

As praças são ornamentadas com palmeiras imperiais gigantescas e os prédios históricos estão bem conservados. São usados como sedes das instituições públicas. Infelizmente não pude fotografar o Banco Nacional, na mesma praça do início do post e vizinho do Governo Municipal (acima), nem a sede do Governo Provincial. Mas não por causa da neurose que impera em Luanda, onde é proibido fotografar prédios públicos. O problema foi a luz. Os dois estavam contra o sol.

Rosa, vendedora de abacates, com seu bebê, João, de apenas um ano e meio

O que há de melhor em Benguela, porém, é seu povo. As pessoas são mais fraternas, mais tranquilas. Dizem bom dia aos estranhos nas ruas, gostam de ser prestativos, de dar informações, de ajudar os estrangeiros. Ninguém me pediu dinheiro na rua até agora!

As pessoas aqui, acreditem, estão sempre sorrindo. Algo difícil de se ver nas ruas de Luanda.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Pele
Anacleto Dias é morador do “Hotel Cave”, conjunto de casarões em ruínas ocupado por muitas famílias. No dia em que nos encontramos, passávamos eu e João, jornalista e amigo brasileiro, pela Mutamba, região central de Luanda, quando nos deparamos com a precária subida de cascalho que leva até as moradias. Do alto do morro um grupo acenava em nossa direção, aparentemente fazendo algum convite. Entre hesitantes e curiosos, resolvemos subir.
Todos tomavam cerveja e nos ofereceram. Foram muito receptivos.
Conversamos sobre política e esportes. Anacleto era dos mais entusiasmados. Demonstrando ser bastante informado, deu-me uma verdadeira aula sobre basquete e futebol. Conhece a trajetória de todos os atletas brasileiros desses esportes pelos times dos EUA e Europa. Fala de cada um com intimidade. Digo a ele que estou muito impressionado com o grau de informação que revela. Ele, tímido e sorridente, diz que sente o mesmo, mas pela minha ignorância. “Nem parece brasileiro”, diz. Falo que me deixou envergonhado. Não se contém e dá muitas risadas.
Quando o assunto é política fica sério. Diz ser partidário da Unita, como a maioria dos moradores do local. A Unita é o principal e praticamente único partido de oposição. Travou sangrenta luta contra o MPLA, logo após a independência do país, em 1975. Foram 28 anos de guerra, mortes e muita destruição. Por histórias semelhantes passaram quase todos os países da África negra.
É muito raro encontrar em Luanda quem assuma simpatia pela Unita. A polaridade entre os dois partidos, para muitos, ainda significa sangue. O MPLA, partido que governa o país desde a fundação do Estado angolano, cujo governo mantém total controle sobre os meios de comunicação, faz intensa campanha para demonizar o rival. O Jornal de Angola, único periódico diário do país, é estatal. O presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 29 anos, está quase todos os dias na primeira página. Recebe tratamento entre messiânico e faraônico.
Quando cheguei ao cortiço, Anacleto estava sem camisa. Ao pedir para fotografá-lo tratou rapidamente de por uma camiseta. Disse-lhe que continuasse como estava. Achava mais bonito. Com olhar de estranhamento, aceitou.Durante a sessão de fotos indaguei sobre a ausência de material visual da Unita. Lenços, camisetas, bonés, chaveiros e bandeiras do MPLA são moda pelas ruas de Luanda. Respondeu-me que MPLA é para fora e, batendo com o punho fechado no peito, que “a Unita é aqui dentro”.

domingo, 28 de setembro de 2008

Raquete elétrica



Esta é da série "Maravilhas que conheci em Luanda". Pelo menos, nunca tinha visto nada igual no Brasil.

Trata-se de uma raquete elétrica fabricada na China (claro) para uma função bem mais divertida do que rebater bolinhas amarelas: matar mosquitos. A idéia é simples. Você a carrega na tomada da parede e ela fica pronta para a "caçada" aos "anjos do paludismo", como diz um amigo meu.



A tela da raqueta é elétrica. Esse botão vermelho, da foto acima, aciona uma descarga de energia . Você só precisa apertá-lo quando dirigir a raquete contra o mosquito. Uma vez preso na tela, seu inimigo alado frita soltando faíscas. Quando existem muitos mosquitos, a raqueta fica parecendo um daqueles pisca-piscas de Natal.

Impossível descrever o prazer proporcionado pelo cheiro de queimado e pela libertação definitiva das palmadas desnecessárias no ar e das paredes manchadas de sangue. Tudo por menos de 300 kwanzas (USD 4) na AgroSantos.

A raquete elétrica, certamente, estará entre os pertences que me acompanharão na volta ao Brasil.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Luanda e os seus Amores (Ficção)

"Era uma vez, um rei e uma rainha que viviam num castelo. O rei, conheceu a rainha, quando visitava um serviço público do seu reino. Ficou impressionado com a beleza da donzela e sempre que podia passava por lá. Começou a gostar dela e resolveu que seria a sua princesa. Namoraram, fizeram filhos, mas continuava cada um no seu cantinho. Um dia, o rei decidiu assumir a relação e fez dela a sua rainha. Festa no palácio, tudo florido, muita música. Mas, a paixão desapareceu, ficou o amor, e mesmo este, virou rotina. O rei já não olhava para a sua rainha com olhos de ver e esta começou a ser cortejada por vários cavaleiros do reino.Era muito bonita, alta, com presença mesmo de rainha. Ainda procurou que o rei se interessasse por ela como mulher, mas aquele olhava mais para as outras, galanteava as suas súbditas. As flores começaram a murchar, a relva surgiu seca, a alegria, o riso, a harmonia começou a desaparecer do palácio. Um dia, a rainha fartou-se, enamorou-se de um dos cavaleiros e foi embora. Foi um choque, no reino, o rei ficou muito abalado, as opiniões dividiam-se, uns diziam, como é possível fazer isso a um rei que fez dela uma rainha, dava-lhe tudo o que precisava, mas outros, afirmavam, as coisas materiais não são tudo na vida de uma pessoa, o coração dela pedia mais.
O rei não se conformava, fazia tudo para se vingar, mandava os seus pagens com cartas de ameaça em vez de missivas de perdão, estava a perdê-la cada vez mais, quando o que queria era reconquistá-la. Só quando viu que já a tinha perdido para sempre, é que despertou para a realidade da sua situação.O amor por ela era mais forte que o seu reinado e o facto de ser rei não lhe dava o direito de tratar a sua rainha como se fosse uma qualquer, era também, a mãe dos seus filhos. O rei ficou sozinho, todas as noites ao deitar olhava para o lado e não via a sua rainha, acordava, estendia o braço e encontrava um vazio. O sofrimento era o castigo de ser intolerante, não ter dado o valor que devia à sua rainha. Ás vezes, ainda pensa que o tempo apaga tudo e que a sua rainha vai voltar, mas o seu tempo já não é longo e a impaciência tolda-lhe o raciocínio. Fica na janela do seu palácio olhando o horizonte e chorando o seu amor, a dor no seu coração não se vai embora e a imagem da sua rainha o acompanha para sempre. É um castigo muito forte para quem gosta tanto de uma pessoa. Tem a esperança que melhores dias virão, tenta mudar esses seu gostar tanto, por uma amizade ainda mais forte. Seria de certeza menos penalizante, a dor não seria tão dura de sofrer, o coração deixaria de chorar e a amizade limparia as suas lágrimas"

P.S.:Não é uma estória com um final feliz, mas quem sabe, se não virá um outro narrador, que resolva modificar esse fim.

Como tirar-me do sério # 1

O que realmente “guardam” os seguranças? Os bancos, as empresas ou casas que lhes pagam os salários ou, o meu carro? Desde que moro na cidade tenho de explicar aos guardas do banco do lado que eu não vou dar 200 TODOS OS DIAS. Dou ÀS VEZES, como lhes explico. Ora uma vez dou a um. Ora outra vez dou a outro. Diziam eles que havia muitos bandidos, naquela zona. Ya... e eu, sou o monstro das bolachas. Por vezes, quase que preciso pedir desculpa por ter o meu carro estacionado à porta do prédio. E explicar que hoje, não vou dar nada. Já dei anteontem. Ora, tentar explicar isto, é tarefa difícil. Ao mesmo que dei 200 kwanzas anteontem, explicava hoje que não lhe daria todos os dias e que já lhe tinha dado anteontem. Além do mais o M. tinha dado ontem. A cara de rambo em cuecas mantinha-se à espera de que eu sacasse de 200 kwanzas e lhe desse, já agora, com um abraço e um beijinho.
Eu: Já te dei anteontem 200 kwanzas. Não tenho hoje. Hoje não dou.
Guarda, com cara de rambo em cuecas: ah?
Eu: Já te dei ANTEONTEM 200 KWANZAS. HOJE NÃO.
Guarda, com a mesma cara de rambo em cuecas: onde, onde?
Eu: ANTEONTEM. ANTEONTEM. ANTES DO DIA DE ONTEM.
Guarda: Onde, onde?
Eu, com cara de sapo cocas com vontade de espancar a miss piggy: HOJE NÃO.
E fui à minha vidinha. Acrescente-se isto ao facto de ainda não serem 7 horas da manhã e eu estar mesmo capaz de cuspir fogo ao rambo em cuecas que acha que eu sou mãezinha dele. Luanda cansa. E hoje, ainda nem comecei o meu dia e, já estou cansada.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

agora, em Angola...

Cota 50

Paulino Damião, repórter fotográfico, 35 anos de carreira, todos no Jornal de Angola. Agora, no Jornal de Economia e Finanças. Meu inseparável guia pelas ruas de Luanda. Não há lugar onde não seja reconhecido e festejado. Expliquei-lhe por que digo sempre nessas situações que ele é mais conhecido do que nota de um real. Fica orgulhoso.

Em 1963, o pai caminhando pelas matas de Nambuangongo, província do Bengo, deparou-se com as tropas coloniais portuguesas. Foi fuzilado. Ele, feito prisioneiro aos 14 anos. Ainda em poder dos portugueses, teve a mãe morta por bombardeios aéreos dois anos depois. Certa vez, estávamos nós fotografando na Fortaleza, edificação histórica de onde se avista toda a baía de Luanda e hoje abriga um museu da luta pela independência, pedi a ele que subisse num dos velhos aviões militares ali expostos para fotografá-lo. Subiu, e sorridente disse-me que um daqueles matara boa parte de sua família.

Separado, mora na Chicala, área de ocupação sobre aterro feito junto à baia. Com ele vivem os quatro filhos (“nunca tive filhos fora”, diz) , nove netos e três sobrinhas. Entre os filhos, o artista plástico Lino Damião, convidado para participar da bienal de Cape Town, África do Sul. Pergunto quantas namoradas tem. Tímido, se enrola na conta. Damos muitas risadas.
Sua chegada é sempre muito esperada na redação. Traz “jinguba” (amendoim) torrada todos os dias.

Durante o tempo em poder do exército português, por ser ainda “miúdo”, ficava entre os militares que ele chama de artistas – músicos, pintores, redatores, fotógrafos. Ironicamente, foi no campo de guerra que descobriu sua paixão. Nunca mais parou de fotografar.

Em 65, como ainda não tinha idade para ir para um presídio regular, foi enviado a Luanda aos cuidados de um tio que logo em seguida também morreu. Só reencontrou os familiares sobreviventes em 75, com o fim da guerra pela independência.

Estudou fotografia por correspondência no Instituto Universal Brasileiro e na Escola Álvaro Torrão, de Portugal. No auge do P&B teve estúdio e laboratório no Largo da Portugália, centro de Luanda. Sem saudosismos, gosta muito da instantaneidade da foto digital. Adora mostrar o resultado no visor de sua câmera.

Em 80 foi enviado a Moscou para cobrir a olimpíada. Era o único fotógrafo negro credenciado para os jogos olímpicos, conta. Conhece quase toda a África subsaariana.

Eu desembarquei em Luanda numa manhã de segunda-feira. Ao meio dia já estava na redação (ou o que viria a ser a redação do Jornal de Economia). Foi o primeiro angolano a quem fui apresentado. Estava ansioso pela minha chegada. Em seguida saímos. Foi ao seu lado que fiz minha primeira foto em Angola, no Largo do Kinaxixe, centro de Luanda. Quando a luz caiu fomos à Fanta, localidade onde se encontra um grande edifício inacabado, ainda da época dos portugueses, ocupado por moradores carentes. Um grande cortiço vertical. Lá, no bar da Marli, uma birosca bem simpática onde numa TV empoeirada passava novela brasileira, fui por ele apresentado à Cuca, cerveja nacional e popular, orgulho dos Angolanos, mas tida como bebida sem sofisticação. Suave, levemente adocicada, adorei. Só tomo outra quando não há Cuca.

O codinome “50” ganhou no começo da carreira. Cobria jogos de futebol apenas com uma lente de 50 mm, pois era a única que possuía, quando os outros fotógrafos, já nesta época, usavam longas teleobjetivas. “O fotógrafo da “50”, assim se referiam a ele aqueles que não sabiam seu nome”. Assim ficou.

O “cota” do título é uma expressão muito usado em Angola como pronome de tratamento. Algo como o nosso “senhor”. Sr. 50.

Ardoroso defensor do MPLA (“Empélá”, como dizem aqui), partido majoritário e que está no poder desde a fundação do Estado angolano, em 75. O atual presidente é apenas o segundo e já está no poder há 29 anos.

Hoje é metodista.

Abstêmio, a todo momento pergunta-me: “Queres uma Cuca?
Quando viu minhas primeiras fotos para uma matéria do jornal, uma sessão de retratos da diretora de uma empresa de locação de veículos de luxo, disse que era foto publicitária.

Conversamos longamente sobre os cada vez mais tênues limites entre a foto jornalística e a publicitária. Convenci-lhe de que me sentia em paz com o leitor, já que tudo o que fica aparente nas minhas fotos é verdade. Apenas agrupo os elementos de composição numa ordem própria. Achou divertido, na sessão de fotos, a “bagunça” que causamos na empresa com a movimentação dos carros.

Recentemente, confidenciou-me que aprendera muito comigo. Devolvi dizendo que eu, sim, é que aprendera muito com ele. Incrédulo, desafiou-me a dizer o que. Perdi um precioso tempo tentando lembrar-me de algum aspecto propriamente fotográfico, técnico, em vão, quando veio-me à alma o entendimento de que ele havia restaurado em mim não só o desejo pela fotografia, como pela vida.

Foi o que eu lhe disse.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Gangues juvenis em Luanda II

A política, em Angola, está a ficar mais pobre e a bandidagem não pára de aumentar. Se antes, só ameaçavam matar, agora já matam, se antes só levavam os carros, agora violam, também. Vamos ficar mais atentos, todo o cuidado é pouco, acabou a festa das eleições, os polícias desapareceram das ruas. Penilson e Yano são dois especialistas em roubar óculos graduados que depois os entregavam a um tio do primeiro, enfermeiro com alguns conhecimentos de oftalmologia, que lhes tinha ensinado a forma de distinguir um par de óculos graduados dos outros não graduados, pois a graduação diminuia o tamanho do olho. Depois é só chegar perto da vítima e arrancar-lhe os óculos da cara. Trinta ou quarenta dólares estavam no papo, que depois eram gastos em bebida e na compra de liamba. O Gi e o Papy, são peritos no roubo de telemóveis, eram cidadãos dos países fronteiriços que controlavam as encomendas, receptores, que depois os descodificavam e os vendiam. Baleavam quem lhes oferecesse resistência. Estiveram presos mas rapidamente sairam. Hoje, felizmente, já não estão no crime organizado, vendem nas ruas os produtos dos libaneses, ás vezes estão tentados a voltar atrás, pois os fiscais, muitas das vezes lhes roubam os artigos e ainda por cima levam. Já se lamentaram, que quando eram mesmo bandidos, nunca lhes bateram e agora que viraram honestos(?), levavam porrada. Zua e o Ladinho, fazem parte de um gangue que trafica tranças brasileiras, vulgarmente conhecidas por tissages", muito em moda na cidade de Luanda.As raparigas eram o seu alvo preferido, que lhes arrancavam e cortavam o cabelo, ficando algumas delas com feridas na cabeça, quando opunham resistência. Tinham a protecção de duas cabeleireiras da Baixa da cidade, que pagavam cinquenta dolares por cada embalagem de extensões e cobravam das clientes cem doláres. As brancas e as mulatas que se cuidem, como alguém já referiu, podem virar karibalas(carecas). Assim vai a nossa linda Luanda.

domingo, 21 de setembro de 2008

Gangues juvenis, em Luanda

"Squad", é o nome dado à maior parte dos gangues juvenis da nossa cidade de Luanda, que nem sequer sabem o que aquilo quer dizer. Muitos desses gangues, de juvenis não têm nada, apesar de apresentarem B.I. de componentes com 16 e 17 anos, a verdade é que a maior parte deles até já têm 30, bigode e barba cerrada. São jovens que já "cheiraram" de tudo, mesmo gasolina e outros materiais corrosivos. Kabiri (Cão), era um garoto que frequentava um desses gangues, chamado assim porque tinha arrancado um naco de carne do braço de um companheiro, quando este lhe quis roubar um pacote de liamba, enquanto dormia nas arcadas do prédio Treme-Treme, na baixa da capital. Já não regulava muito bem da cabeça, mas era um perigoso, já levava muitos assaltos e até mortes e violações no seu cadastro. Drogava-se com dibanga, cocaína misturada com outras drogas pesadas, droga que começou a aparecer em todos os sítios da Luanda noturna e ultimamente nos mercados do Kazenga. Dizia ele, que tinha ficado assim, porque incarnou o espírito do seu avô, feiticeiro e fundador de uma seita misteriosa que actuava de noite, as sessões eram à porta fechada, onde os crentes se despiam ao som dos ngomas (tambores), dançando e gritando até ao chegar do Sol, incluindo mulheres e crianças. O espirito do tal avô tinha entrado na sua cabeça e lhe ordenava coisas estranhas para fazer.Para afastar os espíritos maus tinha que boiar. Andou muito tempo a bater a zona das bombas de gasolina da Avenida Comandante Jika, vendendo de dia, cigarros e discos, e à noite, droga, Viagra e filmes pornográficos. Numa noite, apareceu baleado, ninguém sabe como foi, se foi gangue rival ou a polícia. Morreu um bandido, mas apareceram muitos mais para o substituir.

agora, em Angola....

(antes do assalto...)

Praia da Samba, Luanda.


Estrada do Catete, Viana, Luanda

Salão de beleza

Mulheres arrumam cabelo em quintal coletivo no bairro do Prenda, periferia de Luanda.


Militantes do MPLA concentrados no Largo da Independência na véspera das eleições legislativas do último dia 6. O partido venceu com mais de 81%

sábado, 20 de setembro de 2008

Sobre "por quês" e "ses"

Logo depois que o susto baixa, a sensação de impotência lhe invade com um pensamento místico de que você poderia ter evitado tudo. Estava nas suas mãos. A primeira fase é a dos "por ques":

Por que o carro não estava lá, parado na porta, para nos levar depois do fim do expediente?

Por que nós não ficamos a espera do carro dentro do saguão iluminado e protegido do prédio?

Por que carregávamos nossas pastas com nossos portáteis pessoais e todo o equipamento fotográfico pessoal do Greg?

Por que, ao ver passando por nós os dois homens que à partida julguei estranhos, não sugeri que recuássemos da rua para o saguão do prédio?

Por quê?

A fase seguinte do pensamento místico é aquela em que você imagina que poderia ter mudado o desfecho "se" tivesse tomado atitudes diferentes:

E se eu tivesse reagido?

E se eu tivesse ficado ao lado do Greg em lugar de correr quando vi as pistolas apontadas na direção dele?

E se, ao correr, eu tivesse gritado por socorro? Alguém teria acudido?

E se, ao ver os dois homens caminhando calmamente com a mochila do Greg nas costas, eu tivesse corrido atrás deles fazendo alarde no meio da rua movimentada?

Nada disso eu fiz, paralisado pelo susto. Ainda pedi ajuda aos donos da venda que fica no térreo do prédio, mas ninguém se arriscou a tomar atitude. Eu olhei para fora e vi meu amigo Greg voltando desolado para dentro do prédio.

Ele acabara de perder todo seu equipamento fotográfico num assalto à mão armada, às 19h30 da sexta-feira, 19 de setembro, em plena Rua Rei Katyavala, região central de Luanda.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Menos angolano macho. Menos...

Ora bem. Que o angolano macho tem “problemas de incontinência”, já toda a gente sabe. Que não se inibe em tirar o negrinho do conforto das calças em qualquer lado e a qualquer hora do dia, também já toda a gente sabe. Que meninas bonitas não têm ouvidos (e sobretudo olhos) para estas situações, também já toda a gente sabe. E agora, perguntem lá: qual é a novidade migas? Calma, eu respondo. A novidade é que para além do angolano macho ser um mijão, é também um mijão com pinta de conquistador. Eu juro que se fosse menino e estivesse naquela situação (negrinho na mão, encostado à parede), à passagem de uma menina eu ia esconder-me o mais possível para que não pudesse ser reconhecido mais tarde. Se ainda fosse a tempo, até talvez recolhesse o negrinho confortavelmente, desse meia volta e fosse à minha vidinha, com cara de paisagem. Mas não. O mijão angolano, naquela situação pouco simpática, ainda arrisca com um “olá”. Não vá deixar escapar a oportunidade para uma linda amizade. Oras, oras... Isso não se faz, angolano macho. Quanto muito, consegue da menina um olhar de pânico. E pensamentos do tipo “como defender-me se este depravado decidir seguir-me”. Nunca, mas mesmo nunca, um olhar fofinho. Estamos entendidos?

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Perguntas proibidas

Ia bem a recepção na piscina do Hotel Trópico, um dos mais finos da cidade, quando na rodinha em que me encontrava, decidi perguntar à autoridade angolana ao meu lado, mais por educação do que por verdadeiro interesse:

- E o senhor, doutor Y, quantos filhos tem?

Bem humorado, doutor Y puxou-me pela manga do paletó e segredou ao meu ouvido:

- Desculpo-lhe, senhor F., porque sei que és estrangeiro. Mas ensino-lhe desde já: esta pergunta não se faz ao homem angolano!

Pedinte fardado

Ao ler esta história no Sem Destino, lembrei-me desta outra que se passou há alguns dias comigo.

Estava eu outra noite pacientemente parado na fila da gasolineira, aguardando pela minha vez de saciar a sede de Dorotéia, quando um policial devidamente fardado aproximou-se do vidro do passageiro e pediu que eu o abrisse. Como se tratasse de uma autoridade, cedi, apesar dos protestos da P. Pois o referido ensaiou uma cantilena segundo a qual tinha um parente doente no hospital e precisava de algum dinheiro, dá-me só uns 200 kwanzas para pegar um candongueiro.

Como o bafo de álcool deixasse tonta até a Dorotéia, neguei-lhe o kumbú que cetamente seria investido em mais algumas cucas. A autoridade ainda ensaiou uma cara feia, mas partiu sem mais protestos.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Estórias da Luanda Recente

As casas em Luanda que foram ficando vagas com o abandono de milhares de pessoas com medo da nossa próxima Independência, começaram a ser objecto de disputa por parte dos que cá ficaram, muitos esquemas se passaram, muita gente ficou rica; não é isso que me interessa para já, mas sim contar a minha estória.
Uma filha igual a tantas que vivem neste país, nunca gostou do pai, não quis ser perfilhada, nem mesmo se habilitou à herança quando o senhor morreu, apesar dele ser muito rico. A verdade é que o tal pai, abandonou a sua mãe, de cor de pele escura, para ir se casar a Portugal, com uma mulher lá da sua aldeia, de pouca educação e sem estudos, que lhe deu três filhos. A sua mãe, sendo negra e vivendo sob um regime colonial, tinha o segundo ciclo completo e era funcionária das finanças.

Esta nossa personagem, a filha mulata, tinha sido entretanto despejada de uma casa na Praia do Bispo, em virtude das obras do Mausoléu do Fundador da Nação e sob pressão da família, candidatou-se a uma casa nas Ingombotas, que tinha sido do seu falecido pai. Como não tinha documentos que atestassem a paternidade, amargorou com idas e vindas à Junta de Habitação, local dos mais esquemáticos daquela altura. Utilizou várias vezes a gasosa, mas o baile continuava, mudavam os funcionários e tudo voltava ao princípio. Serviu-se da "cunha" método mais expedito e eficiente. pediu num alto graduado das forças armadas e logo ficou com papel passado, tudo em ordem como manda o figurino. Iniciaram-se as obras de beneficiação e começou logo a pensar-se na festa de inauguração. Angolano é assim, não brinca.

Chegou o dia, grande festa no quintal, com gente da alta burguesia nacional, muita comida e muito mais bebida. Foi contratado o melhor DJ para animar a farra, com os seus discos de antigamente de semba e outros ritmos angolanos, onde, também não faltaram os tangos de Gardel e od Gêvês de Cuba, ao ritmo da rumba e conga, bem como os merengues de São Domingos.

A nossa mulata lembrou-se que seria de bom tom popular, chamar o Velho António, antigo criado do seu pai, que tinha ficado a guardar a vivenda durante muito tempo, para estar também na festa. O Sô António já andava pelos oitenta e tais e como os ares da burguesia começaram a subir á cabeça da Dona, não quis misturar o fiel servidor com tão ilustres convidados e resolveu deixá-lo na sala, sentado no sofá.

A Dona, de tempos a tempos, trazia uns croquetes e umas cervejas ao mais Velho, coisa que foi repetindo ao longo da noite. Mais tarde, após um período mais ou menos longo, esqueceu-se do velhote e este, limpou um João dos Passos, whisky que encontrou na cristaleira, num abrir e fechar de olhos. Quando a Dona da casa se lembrou que se tinha esquecido do mais velho, vai a correr até à sala e deparou com o Sô António a mijar no sofá.
"Então senhor António, o que é isso?
Responde o Velho, nas calmas:
"Minha Senhora, comi bem, bebi bem, não posso mijar bem?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

agora, em Angola...

Estrada de Cacuaco, periferia de Luanda

Menina toma banho à noite no “Hotel Cave”, conjunto de casarões em ruínas ocupado por moradores carentes, na Mutamba, centro de Luanda.

Ontem houve reunião de condomínio...

Na maioria dos casos, a imagem criada era diferente. Acho que só a P., corresponde à “minha” P. É inevitável imaginarmos o rosto, atrás das palavras. Para que se possam divertir com os “bonecos” que criei na minha cabeça, aqui ficam as descrições físicas dos moradores desta casa:
- O “meu” F., tinha muitos cabelos brancos, bem curtinho. Alto e magro. Na verdade, só acertei no alto. É elegante mas, não tão magro como imaginei. E o cabelo, bem... o cabelo, nem com uma branquinha e, divertidamente ondulado.
- A Flávia tem na realidade metade da idade da “senhora” que imaginara. É bonita, muito simpática e bem alta. Acho que é “filha” da Flávia da minha imaginação.
- O “meu” X. era um engatatão. Era um brasileiro bem ao “estilo angolano”. Daqueles que dizem beautiful girl, à passagem de uma mulher bonita. Alto, com aspecto de actor de novela. Ar arrogante e vaidoso. Talvez seja o “boneco” físicamente mais errado. Não é alto e não tem aspecto de actor de novela. Nem ar de arrogante ou vaidoso. Na verdade, acho que estava com medo do ar feroz da migas. Não fosse eu tentar acertar as contas com este menino. A parte do engatatão... bem, não pude comprovar. Terá de ficar para uma próxima saída.
- A P., é a bonequinha da minha imaginação. Acho que não consegui acertar nos traços do rosto. No entanto, é bonita como a “minha”, elegante, cabelo comprido, de rosto muito delicado. A verdadeira princezinha da casa.
Pode ser que um dia a “família” se complete e se reúna com os ausentes. A família, de várias nacionalidades, com diferentes moradas. Em comum temos Angola. Para o bem e para o mal.

domingo, 14 de setembro de 2008

Turning Point


Recém-chegado a Luanda, chamou-me a atenção desde o princípio a espontaneidade e a alegria das crianças. Morávamos então numa casa encravada num musseque na Ilha e elas sempre nos brindavam com seus sorrisos e seus "oi amigo, oi amiga" a cada vez que colocavámos os pés para fora de casa. Muitas viviam sujinhas, como referiu a Migas no post abaixo, o que nunca nos impediu de tocá-las ou de brincar com elas.

O que me intrigava mais, conforme ia conhecendo mais gente, era como aquelas crianças tão doces podiam se transformar em adultos tão egoístas, tão desconfiados de tudo e de todos.
Em que momento elas perderiam aquela alegria para transformarem-se nos motoristas irresponsáveis que arriscam a vida de todos no trânsito, nos desocupados sempre bêbados pedindo dinheiro nas ruas, nos cidadãos sem nenhuma preocupação com o próximo que furam as bichas e estacionam os carros trancando a saída dos outros?

Essa dúvida, em parte, foi desfeita por estas informações, que encontrei no Baía do Tigres, do Pedro Rosa Mendes. Elas fazem parte de estudos conjuntos realizados pelo Christian Children Fund e pelo UNICEF, entre 1995 e 1997, na província do Bié. O relatório, foi divulgado em outubro de 1998:
  • 97% das crianças estiveram expostas a situações de guerra;
  • 27% perderam os pais durante o conflito de 1992 a 1994 ;
  • 89% estiveram expostas a bombardeamentos;
  • 66% assistiram a explosões de minas;
  • 66% viram pessoas a morrer ou a serem mortas;

Entre os rapazes:

  • 10% participaram de combates;
  • 33% sofreram ferimentos;
  • 38% foram expostos a maus tratos.

A esperança reside, nas crianças que nasceram depois a guerra, como bem mostrou este post das Cenas Luandenses, do Diário da África.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Dura realidade

No supermercado, a esposa espera pelo marido que foi trocar dinheiro. Entenda-se: dólares por kwanzas. A esposa, espera na caixa. Quando volta, o marido faz um gesto como que a entregar o dinheiro à mulher, para que esta pudesse pagar. A cara de repulsa dela, é evidente. Acrescenta: ah, mas eu não vou pegar nesse dinheiro tão sujo! E manda o marido pagar. O que me ocorreu? Que definitivamente esta vai ser uma mulher muito infeliz em Angola. Está cá para acompanhar o marido, suponho, mas encarando assim a realidade, nunca se vai adaptar.
À dias, em trabalho, vi o inferno na terra. Vi dezenas de crianças, sujas, em cuecas. Nada de novo, comparando que todos os dias vemos crianças sujas, em cuecas. Só que ali eram muitas, de diferentes idades. Todas juntas. Com o corpo coberto por uma sujeira que eu não consigo identificar se era lama ou não. A cara, suja com ranho e mais-sei-lá-o-quê como se assim se tivessem mascarado para um filme de acção. Deambulavam o dia todo sem fazer nada. Brincavam nos montes de terra e imitavam-nos. Falavam “estrangeiro” como nós, já que eu falava com alguém que não falava português. Depois de me ouvirem dizer “não faças isso” momentos antes de atirarem com pedras a um cão vagabundo com as orelhas em sangue, já todo massacrado, perceberam que afinal eu não era estrangeira. A moça é angolana? - perguntou um. Sim sou – menti. E seguiram-se uns ahhs e ohhs.
O dinheiro é sujo. Aquelas crianças tambémeram. Mas ponto número um para que a nossa passagem por cá dure mais do que alguns dias é, adaptarmo-nos a esta dura realidade. Se eu pego em dinheiro? Claro que sim. Se eu toco numa daquelas crianças. Óbvio que sim. Em nenhum dos casos, morri ou fiquei doente. Só para que conste.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Agora, em Angola

O fotógrafo Greg Salibian iniciou, no fim de semana passado, uma exposição virtual permanente com imagens que representam a Angola que ele enxerga. Daí para receber um convite para morar nesta Casa de grandes kambas, foi um nada.
a
Agora, na Casa de Luanda, Greg Salibian:
a

agora, em Angola...

vítima de mina terrestre

agora, em Angola...

av. Comandante Valódia, centro de Luanda, 18h20

agora, em Angola...

Elisio, técnico de som, na União Nacional dos Artistas Plásticos,
Largo da Portugália,
centro de Luanda

agora, em Angola...

R. Rey Katyawala, saída do centro para a periferia de Luanda.

Histórias de Supermercado

Parte I
O homem angolano, simpático e falador pergunta à moça:
Homem - quanto custa cada pão.
Moça - tem de pesar.
O homem coloca dois pães no saco. Eram o equivalente a pães de água, com aspecto rústico, compridos. Cada um, daria uns 3 pães pequenos.
A moça pesa e diz o valor.
Moça - são 1030 kwanzas.
Homem - hã? Estás a brincar comigo?... Ok, desta vez deixo passar.
A moça, nas calmas, demora no troco e o homem reclama. Estava com fome.
Arrisco dizer que o homem teve vergonha de negar porque eu estava ao lado. Confesso que também já caí nessa “roubada” e, tal como ele, também tive vergonha de recusar. Ahahah Mas 1030 kwanzas por dois pães??? É de aproveitar todas as migalhinhas!!!
Nota: 1000 kwanzas são cerca de 13 dólares ou 10 euros.

Parte II
Na saída, sou abordada por um garoto. Bem pequeno. Menos de 10 anos. Quer dinheiro para comprar pão. Converso com ele.
Eu: mas não devias estar na escola?
Ele: sim, mas a professora está doente.
Eu: hummm...
Aproximam-se mais três, a pedir o mesmo: dinheiro para o pão. Continuo com a sacola na mão, a caminhar para o carro.
Eu: e tu, também és pequeno. Não devias estar na escola?
Ele: eu vou. É só às segundas.
Eu: hã? Só às segundas?
Ele: sim.
Eu (entre-dentes): deves aprender muito...
De regresso ao carro, eles esperam que eu dê o “dinheiro para o pão”. Fecho a porta. Cuidado com os dedinhos, acrescento. Dou-lhe dinheiro para o pão. Várias notinhas. Eles, de sorriso rasgado e aos pulos dizem: obrigada, mãezinha. Já com o carro em andamento, vejo que contam as notas para dividir por todos. Espero que já tenham aprendido a dividir. Mesmo só com aulas às segundas-feiras.

Eu não costumo dar dinheiro a estes garotos que assim arranjam uma boa desculpa para fugir aos deveres da escola. Mas, estes eram tão pequenos, sujos e magrinhos que não havia como recusar. Angola tem definitivamente de encontrar solução para as crianças, para os deficientes pela poliomielite e para os “malucos” que passeam pela cidade, sem destino, sem casa, sem nada.

Os Cabetulas

Cabetula é uma síntese do jeito alegre e despachado do angolano lidar com as makas cotidianas. Sempre tentando ser o mais esperto, ele invariavelmente acaba a história mais enrascado do que começou. Faz graça com os costumes de Angola, uma receita clássica de humor em quadrinhos.

Meio gozador, kilapeiro que só, ele gosta de umas biricocas e de umas mboas também. Salo, isso já não é muito com ele.

Cabetula apareceu como uma fonte de novos verbetes para o Grande Dicionário Angolano e logo virou leitura diária obrigatória no Jornal de Angola. Aprendi muito sobre o país com as aventuras dele.

Perdeu o espaço semanas antes da eleições porque o humor pode ser um perigo, principalmente para os censores zelosos, sempre prontos a desconfiar do que não entendem. Uma pena. Sem a tira, sobra pouco para ler no panfletário jornalão.

Esta Casa teve o prazer de conhecer os autores do Cabetula, os irmãos, Lindomar e Olímpio, dois jovens cativantes, daqueles que nos fazem acreditar no futuro de Angola.

Os irmãos Olímpio e Lindomar, pais da personagem Cabetula

Eles contaram que a personagem é inspirada num tio deles, sempre enrascado, e trouxeram uma grande notícia de que: o Cabetula tem uma revista em quadrinhos feita em Portugal.

Se quiser um exemplo do humor do Cabetula, clique na tirinha do início do post para ampliá-la.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

MPLA arrasa a concorrência*



O gráfico acima, divulgado pela Comissão Nacional Eleitoral de Angola ao meio-dia, mostra a última parcial das eleições legislativas de 2008, que transcorreram livremente, com adesão em massa da população, sem registro de violência ou maiores transgressões comprovadas da lei.

Todos tiveram a chance de votar, mas o resultado mostra que democracia não é apenas ir às urnas fazer um X num papel. A construção dessa idéia é uma coisa lenta, que requer educação universal de qualidade, imprensa livre, liberdade de expressão.

Num pleito com 14 concorrentes, a vitória de um deles com mais de 80% é o tipo de coisa que só acontecia em regimes autoritários como o de Fidel Castro ou da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, pra ficar em dois exemplos.

Esse resultado dá ao MPLA o direito de continuar ditando as regras sozinho, como sempre fez, só que agora legitimado pelas urnas. Vai-se mudar a constituição sem espaço para o debate de idéias, vai-se construir novas leis que podem ser melhores para os que estão no poder do que para a totalidade do povo angolano que eles, agora legitimamente, representam.

Quem quis assim foi o povo angolano, que escolheu continuar vivendo sob um regime de partido único. Seja feita a vontade do povo.

Por que o povo angolano escolheu isso? Por medo da volta à guerra? Por influência da propaganda avassaladora veiculada pela mídia estatal e pelas comunicações de obras e "benfeitorias" do governo durante os últimos anos? Por falta de compreensão dos benefícios de um regime com espaço para o debate de idéias?
Eu não sei a resposta. É uma boa questão para uma tese de mestrado.

* O título deste post reproduz a manchete de ontem do Jornal de Angola.

domingo, 7 de setembro de 2008

Última parcial nacional

Ao meio-dia, a parcial da lavada era a seguinte:

MPLA - 81%
Unita - 10%

O pleito teve problemas, sem dúvida, com a prorrogação da votação por um dia por causa da falta de material em algumas assembléias. No geral, porém, correu bem.

A Unita queixa-se de que houve violação da lei eleitoral e apresentou pedido de impugnação, que será julgado pelo Tribunal Constitucional. Alega que metade de seus delegados de fiscalização não foram credenciados pela Comissão Nacional Eleitoral, que faltaram listas de votação nas assembléias de voto e pessoas treinadas para trabalhar nas mesas de votação foram substituídas de última hora por pessoas estranhas ao processo.

Mesmo questionando o processo, diz que a vida continuará normalmente e que o partido exorta os angolanos a manterem a paz, porque outras eleições virão, agora a cada quatro anos.

Usa o seu direito de questionar o processo, mas com uma postura responsável, dentro da lei.

O grande vencedor, até o momento, é o povo angolano.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O meu 5 de setembro




Desde que cheguei a Luanda, o 5 de setembro entrou na minha agenda como uma data envolta em apreensão e especulação. Angolanos e estrangeiros tinham medo de como seriam as primeiras eleições desde o fim da guerra civil. A primeira tentativa, em 1992, acabou piorando ainda mais a guerra.

Pois meu 5 de setembro foi incrivelmente tranqüilo. Na parte da manhã, acompanhei uns amigos jornalistas na cobertura da votação. As filas eram longas e houve muito atraso, mas os eleitores faziam questão de esperar para colocar seu voto na urna. Chamava a atenção o número de senhorinhas (não as vejo com tanta freqüência pelas ruas), vestindo suas melhores roupas: “Quero exercer meu direito. Cheguei às 5:30 e estou um pouco cansada, mas vale a pena. Estou confiante com o meu país”, disse Dona Fátima, de 75 anos.

Na parte da tarde fiz uns amiguinhos (metade do meu tamanho e um sexto da minha idade!) e joguei bola numa pracinha até o anoitecer. Vários gols, nenhuma briga, muitas risadas e uma gostosa sensação de paz. É claro que as eleições são importantes, mas no fundo é nas crianças que eu aposto para o futuro deste país.

Se a Casa não fosse só de Luanda

Tive a oportunidade de sair de Luanda e passar esta semana pré-eleições numa província ao norte do país. Aqui a situação me parece um pouco diferente. A pergunta: “E se o MPLA não ganhar?” faz mais sentido.
A palavra que mais ouço nas ruas é: MUDAR.
As pessoas falam com muito gosto que depois destas eleições Angola vai mudar.
Cheguei também a participar de uma conversa na qual o homem que falava comigo chamou um amigo e apontando para mim disse: “ Depois destas eleições estes brancos não vão mais por aqui ficar, isto também vai mudar”. Diante de tamanha sutileza, provavelmente com os olhos arregalados, tentando ainda esconder o medo, respondi: “Sim, agora Angola vai mudar”.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Coisas para lembrar

Até 1990, Angola era um país comunista clássico. Toda a atividade econômica estava nas mãos do Estado, os cidadãos tinham cotas de suprimentos básicos etc. Eu, que fui criado dentro da cultura diferente, sempre associei esse modelo de organização social a uma coisa triste, desesperançada. Se calhar, fruto da propaganda capitalista.

J., o mesmo do post abaixo, viveu o comunismo na infância e tem uma visão bem diferente do que foi aquilo:

"As pessoas eram mais humanas, havia mais afeto mesmo, entre os estranhos. Se eu parasse na estrada, a caminho da escola, logo parava uma viatura e me oferecia uma boléia. Hoje? Iam é me atropelar. Só vais no carro se der algum dinheiro. As pessoas pensam só em si. Naquela altura, tínhamos os sábados vermelhos, onde todos se uniam para fazer a limpeza dos bairros, das ruas, eram momentos em que as pessoas se ajudavam umas às outras. Quase não existiam gatunos, você podia deixar a viatura aberta na rua. Mas, agora que somos uma economia de mercado, todo mundo só pensa em si próprio, em acumular riqueza passando por cima dos outros. Não estou a dizer que aquele modelo económico era melhor, tinha muitas falhas. Mas, do ponto de vista da união entre as pessoas, epá, isto aqui era outro país."

Coisas para esquecer

O Diário da África publicou esses dias um relato sobre o movimento de volta que a população oriunda do sul do país estaria fazendo antes das eleições. Precaução, por causa da memória do que aconteceu em 1992.

J. trabalha comigo. Ele nasceu em Viana, na província de Luanda, mas os pais são de Benguela. Na capital, sempre foi identificado como uma pessoa do sul, por causa do sobrenome e das origens.

Em 1992 ele ainda era criança, mas se lembra bem do que aconteceu:

"Meu pai era do MPLA, sempre foi. Mas era do Sul. Nós morávamos já aqui em Luanda quando a guerra voltou. Os comandos das FAPLA e dos Ninjas* saíram às ruas matando todas as pessoas oriundas do sul, como represália pela opção do Savimbi de voltar à guerra. Meu pai foi arrancado de casa, levado para um paredão e nós ficamos de longe, olhando, eu tinha certeza de que ele ia morrer. Meu pai dizia que era do MPLA, mas eles diziam que era mentira. O que o salvou foi um major que apareceu na última hora e o conhecia do partido. Depois daquilo, ele pegou as três armas que tinha em casa, deu nas nossas mãos e disse: 'Se surgirem de novo, vocês fazem tiro, não importa se for do MPLA ou da Unita. Qualquer um deles vai nos matar'. Por sorte, ninguém mais surgiu. Mas muita gente do sul que era inocente morreu, simplesmente por que tinha nascido no lugar errado."

* Ninjas - Apelido da Polícia de Intervenção Rápida, a divisão de elite da Polícia Nacional

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

E se...

Como perguntar não ofende, tenho colocado esta questão a muitos camaradas do Partido do Coração:

E se o MPLA não vencer? O que acontece?

Baseados em pesquisas secretas, que circulam apenas dentro do partido e que apontam para uma vitória esmagadora que daria 4 cadeiras ao M para cada cadeira da oposição, os camaradas apenas respondem: "Não há hipótese".

A resposta me deixa um pouco preocupado. Não muito, porque poderiam responder "fechamos a Assembléia e adeus democracia". Mas ainda assim um pouco preocupado, porque ninguém disse "Aceitamos o resultado e governamos com a oposição, já que essa terá sido a vontade do povo".

O "não há hipótese" significa que ninguém sequer cogita essa possibilidade. O pior revés que sofremos é sempre aquele que nos pega desprevinidos...

Como nada disso vai acontecer e o MPLA vai ter mesmo uma vitória esmagadora, não faz mal nenhum elocubrar. Pratique o exercício do voto. Responda à questão na enquete ao lado. As urnas fecham amanhã.

Agora entendi porque o trânsito hoje estava tão bom...

"Governo decreta tolerância de ponto

Luanda - O Governo angolano decretou tolerância de ponto na quarta-feira, 3 de Setembro, último dia da campanha eleitoral para as legislativas de sexta-feira próxima.

O despacho divulgado pelo Governo, nos órgãos de Comunicação Social, estipula que a tolerância de ponto abrange todo o país, não contemplando os trabalhadores que laborem em regime de turno.

O Conselho de Ministros, entretanto, havia já decretado tolerância de ponto em todo o país no dia das eleições legislativas, 5 de Setembro.

Fonte: Angop"

Moço, será que dá pra decretar essa tolerância eternamente?

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Não há bela sem senão

Eu ando feliz. A sério que ando. Pois a minha mudança de casa vai trazer melhorias para a minha vida em Luanda. Mas, não há bela sem senão. Isso eu ja sabia. Ter água, luz, segurança, sossego, privacidade são factores difíceis de reunir numa só casa. Uma das coisas que trouxe da outra casa, foram os meus vasinhos com ervinhas aromáticas. Nas minhas últimas férias, providenciei uns saquinhos de sementes e trouxe para plantar por cá. No total, plantei 5 espécies: rosmaninho, salsa, cebolinho, tomilho e oregãos. Comprei os vasinhos em plástico cá. Baratinhos, baratinhos. Após duas noites na nova casa, os vasinhos já andam certamente por outra morada. Deixei-os fora da porta e das grades das janelas. Depois da minha cara de bambi angustiado, o meu querido M. perguntou-me: porque achas que tens grades nas janelas? Ok. Eu sei que não será escolha do arquitecto do tempo colonial. Mas, os meus vasinhos? Tão pequenos, tão insignificantes, tão despidos. Sim, porque as ervas aromáticas nem sequer tinham dado um ar da sua graça. O que eu via eram umas ervitas pequenitas e nem conseguia perceber se eram os filhotes das aromáticas ou, daninhas parvas. Mas a mim tinha-me dado gosto ter plantado e agora ver nascer alguma coisa. Mesmo que eu não soubesse o que era. Humpf. É a vida. Fico sem saber, a razão de terem levado os meus vasinhos mas arrisco nas seguintes opções:
1. Foi pelo valor? Nãããã... Mas então os vasos custaram 30 Kwanzas cada!

2. Foi por curiosidade? Para saberem o que era teriam de fazer uma análise profunda, lá em casa deles?
3. Foi para entregar à polícia? Será que pensam que sou vendedora de ervas ilegais, daquelas que se fumam?
4. Foi por maldade?
5. Foi uma espécie de praxe para os novos moradores do prédio?
6. Foi por prazer? Por vício? Para lixar o pula?
À uns tempos em Caboledo, depois de o M. virar costas para abrir a carteira e pagar aos pescadores, o moço disse-lhe: pode estar à vontade, isto não é Luanda. Há gestos insignificantes que me fazem pensar que por vezes, isto é muito mais complicado do que me parece. Ainda se fosse algo caro, que pudessem vender e fazer dinheiro, ficava chateada mas, compreendia. A sério de compreendia. Ainda se fosse uma plantação de bananas, de alfaces ou batatas, também compreendia. A sério que compreendia. Agora uma merdita que nem sequer eu sabia bem se algum dia me iria dar utilidade! Quanto mais a quem os levou, que nem deve saber do que se trata. Desculpem-me os leitores que consideram que estes episódios também acontecem noutros países mas eu, definitivamente inclino-me para a última opção: é já vício e, deve dar um prazer danado, roubar o pula. Ao senhor ladrão de vasos um conselho: vá regando com frequência mas sem encharcar, ok?

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Advinhe qual era o partido?

Esta é da série "acredite se quiser".

Resolveram fazer, no fim de semana, um comício lá onde Judas furou as meias (sim, as botas ele perdeu muito antes), que por acaso é também o lugar onde habita este signatário. Montaram palco para o show, barraquinhas, bandeirinhas e aí descobriram que o Posto de Transformação da região não dava conta de iluminar a praça onde seria a festa.

Como resolveram o impasse? Desligaram a energia de metade do bairro para garantir a festa.

Resultado: minha casa está sem luz desde sexta-feira. O comício foi no sábado, mas como os técnicos não pretendiam trabalhar no fim de semana, desligaram já na sexta.

Só devem religar hoje. Ah, essa democracia...