Cometo aqui um delitozinho e reproduzo um texto escrito pelo professor Pasquale Cipro Neto, um dos maiores conhecedoes das artimanhas linguísticas desse idioma que nos use dos dois lados do Atlântico, escrito na semana passada para o caderno de turismo da Folha de São Paulo sobre Portugal. Muito bom, o professor está de parabéns, como sempre. Os leitores da Casa vão gostar, decerto, porque também se deparam com essas situações todos os dias, assim como nós, brasileiros, ao desembarcarmos em Luanda.
A entrada em vigor da reforma ortográfica brasileira intensificou a confusão que muita gente faz entre ortografia e língua. Nas conversas aqui e ali e na imprensa, foi um tal de "Mudou a língua", "Lula assina a lei que muda a língua" etc. Isso tem valor científico igual ao de frases do calibre de "Masturbação dá espinha", "Leite com manga, morre" etc.
Reformas ortográficas, como o nome já diz, mexem na ortografia, ou seja, na maneira de grafar as palavras. Um dia já se escreveu geraes (gerais), cam (cão), portuguez (português) etc. Quando se fala de língua, fala-se do sistema, da estrutura, e isso não se muda por lei ou decreto.
A (até agora fracassada) tentativa de unificar a grafia do português nos oito países que o têm como língua oficial surgiu da suposta necessidade de igualar ou aproximar o que é desigual em aproximadamente 1% do léxico português, ou seja, a grafia.
Em Portugal, grafa-se "direcção", "adoptar", "facto", mas isso não basta para que se diga que a língua de lá é diferente da de cá. Há diferenças, sim, de timbre (abertura da vogal: no Brasil se diz "prêmio", que aqui se grafa com circunflexo; em Portugal, diz-se "prémio", que lá se grafa com agudo), de vocabulário (aqui se diz "bonde", que em Portugal vira "eléctrico"), de formas (aqui se diz "Ela está dormindo"; em Portugal, é mais comum "Ela está a dormir") etc.
Outra diferença significativa se dá na emissão das palavras: nosso português é mais aberto, mais vocálico; o de lá é mais fechado, travado (parece que sai dos dentes...). Para muitos brasileiros, isso torna a língua "deles" irremediavelmente diferente e quase incompreensível.
Pois esses dois fatores (emissão e vocabulário), além de outros, como o uso dos pronomes ("Havia um aqui, mas tiraram-no", disse-me com toda a naturalidade uma funcionária da companhia telefônica, referindo-se a um telefone público que funcionava com cartão de crédito) fazem muitos brasileiros se sentirem num país de língua estrangeira quando estão em Portugal.
Nessas horas, um pouco de boa vontade e de leitura dos grandes escritores lusitanos pode ajudar. Quem já leu um clássico português não se surpreende quando vê numa publicidade da Coca-Cola a frase "A vida sabe bem", em que se emprega o verbo "saber" (como já se empregou no Brasil) com o sentido de "ter gosto", "ter sabor" ("A vida sabe bem" equivale a "A vida tem gosto bom" -com Coca-Cola, na publicidade).
Esse contato com os clássicos lusos (e também com os brasileiros, como Machado) facilitaria a compreensão de uma frase, que lá vi há algum tempo, exibida num cartaz do Ministério do Turismo ("Açores: férias que nunca esquecem", que equivale a "Açores: férias que nunca caem no esquecimento").
O que acabei de dizer em sabe Deus quantas linhas foi resumido brilhantemente por Caetano Veloso, que, no início da sua genial e antológica "Língua", diz isto: "Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões". Está dito tudo: a minha língua (o português do Brasil) se faz roçando (com todos os sentidos de "roçar") o português de Portugal. Em outras palavras, nossa língua e a deles são a mesma coisa, embora não sejam a mesma coisa. Simples assim? Simples assim.
E que isso (as "diferenças" idiomáticas) não seja motivo para ninguém se chatear em Portugal. Se você nunca foi, vá. Vá hoje, vá agora. Se já foi, repita. Eu, que já fui inúmeras vezes, iria agora, sem hesitar. Alguns dos motivos você encontra nos outros textos deste caderno.
Antes que alguém pergunte, o tal "Acordo Ortográfico" por ora é solenemente ignorado em Portugal. E, cá entre nós, não consigo imaginar um comerciante português substituindo uma placa centenária da fachada de sua loja só porque alguns selenitas acham que "direção" é melhor do que "direcção". A coisa lá ainda não pegou. E, pelo jeito, não vai pegar. É isso.
Reformas ortográficas, como o nome já diz, mexem na ortografia, ou seja, na maneira de grafar as palavras. Um dia já se escreveu geraes (gerais), cam (cão), portuguez (português) etc. Quando se fala de língua, fala-se do sistema, da estrutura, e isso não se muda por lei ou decreto.
A (até agora fracassada) tentativa de unificar a grafia do português nos oito países que o têm como língua oficial surgiu da suposta necessidade de igualar ou aproximar o que é desigual em aproximadamente 1% do léxico português, ou seja, a grafia.
Em Portugal, grafa-se "direcção", "adoptar", "facto", mas isso não basta para que se diga que a língua de lá é diferente da de cá. Há diferenças, sim, de timbre (abertura da vogal: no Brasil se diz "prêmio", que aqui se grafa com circunflexo; em Portugal, diz-se "prémio", que lá se grafa com agudo), de vocabulário (aqui se diz "bonde", que em Portugal vira "eléctrico"), de formas (aqui se diz "Ela está dormindo"; em Portugal, é mais comum "Ela está a dormir") etc.
Outra diferença significativa se dá na emissão das palavras: nosso português é mais aberto, mais vocálico; o de lá é mais fechado, travado (parece que sai dos dentes...). Para muitos brasileiros, isso torna a língua "deles" irremediavelmente diferente e quase incompreensível.
Pois esses dois fatores (emissão e vocabulário), além de outros, como o uso dos pronomes ("Havia um aqui, mas tiraram-no", disse-me com toda a naturalidade uma funcionária da companhia telefônica, referindo-se a um telefone público que funcionava com cartão de crédito) fazem muitos brasileiros se sentirem num país de língua estrangeira quando estão em Portugal.
Nessas horas, um pouco de boa vontade e de leitura dos grandes escritores lusitanos pode ajudar. Quem já leu um clássico português não se surpreende quando vê numa publicidade da Coca-Cola a frase "A vida sabe bem", em que se emprega o verbo "saber" (como já se empregou no Brasil) com o sentido de "ter gosto", "ter sabor" ("A vida sabe bem" equivale a "A vida tem gosto bom" -com Coca-Cola, na publicidade).
Esse contato com os clássicos lusos (e também com os brasileiros, como Machado) facilitaria a compreensão de uma frase, que lá vi há algum tempo, exibida num cartaz do Ministério do Turismo ("Açores: férias que nunca esquecem", que equivale a "Açores: férias que nunca caem no esquecimento").
O que acabei de dizer em sabe Deus quantas linhas foi resumido brilhantemente por Caetano Veloso, que, no início da sua genial e antológica "Língua", diz isto: "Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões". Está dito tudo: a minha língua (o português do Brasil) se faz roçando (com todos os sentidos de "roçar") o português de Portugal. Em outras palavras, nossa língua e a deles são a mesma coisa, embora não sejam a mesma coisa. Simples assim? Simples assim.
E que isso (as "diferenças" idiomáticas) não seja motivo para ninguém se chatear em Portugal. Se você nunca foi, vá. Vá hoje, vá agora. Se já foi, repita. Eu, que já fui inúmeras vezes, iria agora, sem hesitar. Alguns dos motivos você encontra nos outros textos deste caderno.
Antes que alguém pergunte, o tal "Acordo Ortográfico" por ora é solenemente ignorado em Portugal. E, cá entre nós, não consigo imaginar um comerciante português substituindo uma placa centenária da fachada de sua loja só porque alguns selenitas acham que "direção" é melhor do que "direcção". A coisa lá ainda não pegou. E, pelo jeito, não vai pegar. É isso.
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