terça-feira, 29 de abril de 2008

Trouxa de roupa na cabeça

Então eu tinha de transportar uma imensa trouxa de roupas da casa onde elas haviam sido lavadas, no Kinaxixi, até a nossa nova morada, no Maculusso. E como fazia um sol inclemente, eu sem viatura para me ajudar, decidi seguir o exemplo das mulheres angolanas. Mandei o fardo pra cima da cabeça.

Pra quê? Virei atração na rua. Os homens troçavam de mim:

- Tá cansado o mundele? - e se riam, divertidos, até que uma mulher me parou:
- Moço, quem carrega coisas assim são as mulheres, tás a ver? Os homens usam mesmo os braços, que são fortes.
- Mas assim é melhor de carregar - respondi. - E ainda faz sombra pra esse sol quente.

Ela não se agüentava de rir:

- Ai é? Pois olha, vamos que eu lhe ajudo. Tire o fardo daí que estão todos a rir de si.
- Não faz mal. Onde está escrito que homem não pode carregar nada na cabeça?
- Tou a ver logo que és do Brasil, pois não? Baixe cá essa sacola e vamos juntos - divetia-se ela.

E caminhou comigo até a esquina da minha rua.

Terra de Barro Vermelho

Coube mais uma vez ao Fernando Baião, praticamente pai deste nosso Grande Dicionário Angolano, responder à pergunta que lancei na última postagem de termos, sobre a origem do termo chamavo (aqui escrito à portuguesa). Veja a resposta dele:

Xamavu - Vem do kimbundu "ixi ya mavu" terra de barro vermelho, nome também dado antigamente ao mercado de S.Paulo, por estar situado em terra de barro vermelha.

Além das contribuições do Fernando, acrescento duas palavras que aprendi esta semana:

Cacimbo - É o inverno angolano. Como não chega a fazer tanto frio para que o chamem inverno, eles chamam de cacimbo.
Kwata-Kwata - Era o nome dado para as guerras entre os principados do reino do Congo antes da colonização portuguesa. Virou expressão de uso corrente e quando um angolano quer mandar o cachorro atacar alguém, por exemplo, diz ao cão: "kwata-kwata".

sábado, 26 de abril de 2008

Casa nova de novo

Então mais um mês se passou e a Casa de Luanda de novo se mudou. Para outro local temporário, haja vista que os definitivos estão pela hora da morte.

Desta vez, não temos vista na janela, como da última.

Alguns números para vocês entenderem o porquê de tanta provisoriedade:

  • O preço médio do metro quadrado na cidade de Luanda está avaliado em US$ 7,5 mil, segundo alguns especialistas ouvidos por esta Casa.
  • O primeiro condomínio construído pela Odebrecht em Luanda Sul, há 10 anos, foi lançado com casas de alto padrão vendidas a 700 mil dólares. Hoje, elas valem 4,5 milhões de dólares.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Grande dicionário Angolano (II)

A palavra de número 100 chegou. Nos foi enviada por comentário pelo leitor e colaborador mais assíduo deste dicionário, Fernando Baião. Para conferir a lista completa de palavras, clique nos links abaixo:

A a D
E a L
M a Z

Como o dicionário não pode parar, seguem mais algumas palavras:

Apontar - Anotar, tomar nota.
Atribuído – Usado no sentido de aprovado, concedido. Quando você solicita um visto e ele é aprovado, por exemplo, dizem que ele foi atribuído.
Chave - Abridor de garrafas, também pode ser chamado de saca-rolhas, mesmo quando abre tampinhas.
Constrangimento – É usado no sentido de problema. Por exemplo, se você morar em Luanda Sul e tiver de trabalhar no centro, vais enfrentar muito constrangimento com o tráfego.
Partir – Quebrar. Usa-se inclusive para estradas danificadas pelas chuvas. "A estrada está partida". Aqui, quando alguém diz "A ponte que partiu", refere-se literalmente a uma ponte destruída pelas chuvas.
Romper – Também serve para quebrar, estragar. Quando alguém bate no seu carro, por exemplo, dizem que lhe romperam a viatura.
Viatura – Qualquer tipo de carro.

Para finalizar este post, outro dia perguntei o significado da palavra chamavo, mas me disseram que era língua Kioko. Se alguém souber, pode deixar um comentário.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Sete dias sem água

Então os chineses, sempre eles, estavam a esburacar alguma obra quando deram com uma conduta. Era só a principal adutora de abastecimento de Luanda. Que se rompeu e por isso a cidade toda completou hoje sete dias sem água.

Dizem que a água está a voltar, está a voltar. Nossos reservartórios privados se esgotaram no banho de balde da manhã. Se esta noite não entrar, amanhã vou ter de dar uma chegadinha na praia da Ilha...

quarta-feira, 23 de abril de 2008

A riqueza de Cacuaco

Boa Esperança é um ótimo nome para o bairro na periferia de Cacuaco, a 25 quilômetros de Luanda. O que me levou até lá foi a malária. No rastro das ações governamentais para combater essa doença endêmica em Angola, que mata dois milhões de crianças por ano no mundo, fui parar na comunidade empoleirada nas encostas dos morros de terra rachada pelo sol.

Boa Esperança é pobre, não miserável. Tem lá seus problemas com violência, mas nem chega perto das periferias das grandes cidades brasileiras. O maior drama é mesmo a chuva. Ela transforma o chão em lama e os seus 50 mil moradores saem de casa descalços. De sapato, ninguém pára em pé.

Pode faltar dinheiro em Boa Esperança, mas não falta riqueza. É justamente o seu maior tesouro que o projeto de prevenção e combate à malária tenta proteger: as crianças. A espontaneidade e a alegria no olhar delas chama atenção através das lentes.

Elas se divertem com tudo. Com a cobra que acabaram de matar, com o “pula” atrás da câmera que nunca viram, e escancaram-se em sorrisos generosos, para que todos vocês possam experimentar um pouco dessa alegria sincera.

Mas nem todas as crianças que encontrei lá estavam felizes.
O Domingos, por exemplo, não estava sorrindo. Ele tem 5 anos e perde peso inexplicavelmente há um mês. Ninguém consegue saber o que ele tem. Estava na fila com a mãe, Francisca, para passar por um médico do Centro de Saúde.

O Felipe, de 8 anos, estava isolado no compound para tratamento de pacientes com cólera. Era o desânimo em pessoa. Nada do que eu disse, das brincadeiras que fiz, foi capaz de fazê-lo sorrir.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Grande dicionário Angolano

Essa idéia fez mesmo sucesso e as contribuições não param de chegar. Esta veio do leitor Fernando Baião, que já havia feito outras contribuições. Com esta palavra, não deixa de homenagear nossa amiga Migas, em cujo sítio nos encontramos com freqüência. Agora, nosso dicionário já conta com 64 termos. Confira nos links da barra ao lado.

Jindungo ou Jindungu - Picante, fruto do jindungueiro. Deriva de seu nome o verbo ajindugar, que significa condimentar com jindungu. O jindungu pode ser de dois tipos:Kahombo ou kaleketa. O Kahombo, arredondado, é bastante saboroso. O Kaleketa, alongado, é bastante picante. "Jindungu no rabo do outro, é refresco" costuma dizer o povo, quando está zangado.

domingo, 20 de abril de 2008

Pra não dizer que não falei das flores


Sim, Luanda por enquanto chega aos meus olhos embaçada pela poeira. Chega coberta de lixo e esgoto, porque é deles que desvio todos os dias para chegar ao trabalho. Chega marcada de guerra, porque mãos empunhadas de fuzis escoltam as calçadas por onde passo. Chega cheia de contradições porque Toyotas e Kandongueiros dividem minhas boléias. Chega bem mal-explicada, porque quando eu pergunto as vozes calam.

Mas chega também com a força e o colorido das flores. As flores que nascem ousadas atrás da poeira, ao lado do lixo e do esgoto, e dão vida às ruas com suas roupas estampadas. Carregam sobre a cabeça grandes pétalas de plástico recheadas de frutas. Não se curvam sob o sol ardente, não esperam acontecer. Seguem “caminhando e cantando”, (e os brasileiros sabem o que estou cantando...).

Arranjam-se em pequenos buquês nas esquinas, ensinando à Luanda o espírito de iniciativa e coletividade de que ela tanto necessita. Logo nas primeiras semanas vi um desses buquês em ciranda, com flores ensinando outras flores a ler e escrever. “Aprendendo e ensinando uma nova lição”. Lição que, espero, sigam ensinando aos irmãos que, equivocados, insistem que sábio é esperar.

Vim para Angola regar flores. E faço delas meu mais forte refrão.

Porque hoje é domingo...

Porque esta semana conheci o Migas com Gindungo, um sítio cheio de receitas de delícias.

E porque hoje é aniversário do meu pai, lá do outro lado do Atlântico.

Resolvi fazer um bolo. Mas não um qualquer. Uma receita que representasse um pouco do cadinho cultural desta Luanda cheia de expatriados.

Então fiz este “Pan de Plátano”, uma receita de origem mexicana, ensinada por uma cubana, feita por um brasileiro.

Pan de Plátano da Tereza

Ingredientes
5 ovos
6 bananas amassadas
2 medidas de farinha (latas de leite condesado)
1 medida de açúcar
1 xícara de óleo
1 colher de chá de fermento
1 pitada de sal

Preparo
Amasse as bananas e reserve. Em outra tigela junte a farinha, o açúcar, o fermento e o sal e misture bem. Adicione o óleo, misture bem e reserve.

Bata os ovos inteiros até que formem uma mistura homogênea. Em seguida, junte-os à farinha e misture bem. Acrescente a banana e misture até formar uma massa homogênea.

Deixe descansar por 5 minutos.

Unte a fôrma com um pouco de manteiga derretida e uma fina camada de farinha.
Pré-aqueça o forno por 5 minutos a 180C.

Coloque a massa na forma e leve ao forno a 180C, por 20 a 25 minutos.

Após 20 minutos, espete a massa com uma faca. Se sair seca, o Pão de Banana está pronto.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Pequeno Dicionário Angolano (III)

Como a idéia pegou e o dicionário cresceu, organizei os termos numa lista por ordem do alfabeto. Confira as palavras de A a D, de E a L e de M a Z. Assim que novas sugestões dos nossos leitores forem chegando, a lista será atualizada.

Estas duas que seguem já lá estão e são mesmo por minha conta:

Alcatrão – O asfalto das estradas;
Berma – A beira das estradas, no Brasil é chamado de acostamento.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Carta aberta a um anônimo

Recebi um comentário indignado de um anônimo e achei melhor publicar a resposta com mais visibilidade, para que não restem dúvidas sobre as motivações deste blog. Quem quiser, pode ler o comentário aqui. A seguir, a resposta:

Caro anônimo,

Lamento que te tenhas ofendido. Ao que me parece, não compreendestes bem o intuito deste sítio. Claramente, como o entenderam os outros leitores, inclusive os angolanos, não é o de atacar ou desmerecer o país. É antes o de mostrar uma realidade que está escondida, fora da mídia, e que pelo tamanho e riqueza de Angola, não deveria continuar a existir.

Tu deverias antes indignar-te com a existência dos problemas aqui mostrados e não com quem os mostra.

Ou achas natural que 70% da população do teu país viva abaixo da linha miséria (dados do PNUD) para que outros 30% dirijam os jipes mais caros do mundo pelas ruas? Achas mesmo bom que tanta gente, em pleno século 21, viva sem energia elétrica, sem saneamento básico, sem coleta de lixo e sem água tratada?

Nunca me esquivei de mostrar os problemas do Brasil quando lá vivia, em outro blog semelhante. E se hoje cá vivo, quero fazer parte, ainda que de forma tímida, do esforço para melhorar as condições de vida de todos os angolanos – não apenas dos poderosos. Na minha opinião, o fato de não ter cá nascido não me tira esse direito.

O primeiro passo para resolver problemas, meu caro anônimo, é admiti-los. Fingir que eles não existem é perpetuá-los.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Pequeno Dicionário Angolano (II)

Nosso pequeno dicionário angolano nasceu tímido, mas começa a ganhar consistência. Graças principalmente à colaboração dos nossos leitores.

O Rodrigo, que cá está a viver desde julho de 2007, deixou um comentário com 24 termos de uso corrente. Clique aqui para conferir.

A palavra que segue nos foi ensinada pela nossa leitora Flávia, antiga colaboradora deste sítio.

Pica - Flávia estranhou na primeira vez em que viu uma criança apavorada dizendo: "A pica não, mãe, a pica não!" Pica, em português de Angola, é injeção, vacina, ou qualquer tipo de exame que exija o uso de agulhas. Quando você suspeita que contraiu malária, por exemplo, toma a pica. E ainda paga cerca de 8 dólares para isso numa boa clínica privada.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Algumas palavras

As fotos do último post da P. são chocantes, porque o mercado informal de São Paulo é um descaso a céu aberto, exalando seus odores podres de miséria em plena luz do dia a poucos quilômetros do centro de Luanda.

O governo finge que está tudo bem, afinal, quem joga esse lixo todo nas ruas e entope os esgotos é o povo.

Os ambulantes fingem que está tudo bem, pois dali tiram seu sustento em notas amarrotadas de kwanzas.

Os milhares de compradores fingem que está tudo bem, basta enfiar os pés em sacolas plásticas e prender a respiração para pagar os preços mais baratos da cidade.

E as senhoras seguem fritando coxas de frango em panelas aquecidas por carvão a poucos centímetros do lixo; os adolescentes oferecem livremente bugigangas eletrônicas feitas por trabalhadores escravos na China; os negociantes vietnamitas vendem cama, mesa e banho nos armazéns por um terço do que se cobra nas lojas da cidade.

O sol torra as cabeças, o fedor aumenta, as crianças enchem as barrigas de vermes em mais um dia no meio do lodo, do esgoto e do lixo que a natureza nem sabe se um dia vai decompor.

Mas tudo está bem. No final do dia, algumas cervejas abertas e algumas lingüiças no churrasquinho bastam para estampar sorrisos banguelas nas caras sujas.

Alguns goles depois, todos já terão esquecido a miséria desgraçada em que vivem no país do petróleo e dos diamantes.

domingo, 13 de abril de 2008

Faltam palavras

Poucos lugares me impressionaram tanto na vida quanto as ruas de São Paulo, o bairro dos camelódromos e armazéns aqui de Luanda. Ali, cada detalhe me remete ao caos. O cenário, os cheiros, as atitudes, os barulhos, os rostos. E o lixo, o lixo, o lixo...

Voltei pra casa querendo escrever sobre tudo aquilo. Mas como? Se fosse há 20 anos, escreveria um poema cheio de adjetivos. Há 15 anos, provavelmente comporia uma música estilo "we are the world" e mandaria por correio para a sede das Nações Unidas (hehehe...). Há 10, sairia com um manifesto pseudo-revolucionário e espalharia pela faculdade. Há 5, produziria uma reportagem cheia de números e aspas.

Mas hoje as palavras me faltaram. Pareciam todas ocas, sem força, sem cheiro. Tentei fazê-las pisar aquele esgoto, apertar-se naquela multidão, refletir os olhos amarelados daquela gente. Não deu.

Para quem vive aqui, uma sugestão: uma manhã no mercado de São Paulo é uma aula sobre este país (e sobre a humanidade!), uma pontada no coração, e uma saudável chacoalhada no espírito. Mas saia da rua principal, vista um plástico nos pés e entre pelas travessas cobertas de lixo.

Para quem está longe, deixo algumas imagens para ilustrar um pouco (ainda que bem pouco...) este mundo do absurdo.





Nosso agradecimento à doce e sorridente Anabela, que nos acolheu na sua barraca de sandálias de plástico para tirar essas fotos escondidas.

sábado, 12 de abril de 2008

Luanda dos angolanos

No post sobre a Luanda do passado, prometi contar como os portugueses partiram.

Luanda virou uma loucura nos três meses anteriores à independência, que tinha data marcada para acontecer. Faltava comida e água, sobravam portugueses em imensas filas nos bancos, tentando sacar os escudos antes de partir.

Nos jardins das vivendas, as famílias construíram grandes caixas de madeira e empacotaram suas casas. O jornalista polonês Ryzsard Kapuscinski estava aqui na época. No seu livro “Another Day of Life”, ele descreve muito bem essa transferência da cidade de concreto para a de madeira.

No início de outubro, a Luanda encaixotada partiu numa longa fila de navios para Lisboa, Rio de Janeiro e Cidade do Cabo.

Despachadas as riquezas, seus donos iam para o aeroporto, que virou um campo de refugiados, desesperados por um vôo. Tinha gente dormindo na chuva do lado de fora do saguão, cada avião era disputado a tapas e outros países acabaram ajudando na criação de uma ponte aérea entre África e Europa.

Todos abandonaram a cidade. Da noite para o dia, Luanda não tinha mais médicos, nem carteiros, nem bombeiros, nem policiais... Nem lixeiros!

Os detritos acumulados nas ruas e esquinas, expostos ao calor intenso, começaram a transformar a Cidade Maravilhosa de África num lugar pestilento.

Apesar de tudo isso, havia um motivo para celebrar: pela primeira vez em 400 anos Luanda, enfim, era dos angolanos.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Pequeno dicionário Angolano

Hoje conheci um angolano que foi criado no Brasil e voltou já adulto. Em algum momento, ele disse:

- Você sabe, falamos línguas diferentes aqui e no Brasil. Nós entendemos porque o som é parecido, mas a língua é outra.

Cheguei à conclusão de que ele tem razão. Por isso estou criando este pequeno dicionário, que começa com um termo bem curioso:

Mata-bicho – termo angolano para o pequeno-almoço português, nosso popular café da manhã. Com o uso, virou verbo. Ninguém está a lhe oferecer um inseticida se lhe pergunta: “Já mata-bichastes hoje?” Provavelmente vai convidá-lo para o café da manhã.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Você conhece a poesia de Agostinho Neto?

Há quase um mês o debate que toma conta das páginas de cultura em Angola versa sobre a liberdade de expressão. O escritor José Eduardo Agualusa, um dos melhores da nova geração angolana, disse em entrevista o jornal Angolense que Agostinho Neto, primeiro presidente do país, era um poeta medíocre.

Imediatamente, vários escritores e intelectuais saíram em defesa das veleidades literárias do líder histórico do MPLA. E Agualusa vem sofrendo, desde então, um ataque feroz. A notícia mais recente, de hoje, diz que ele será processado judicialmente pela declaração. Prova de que Angola ainda não está tão aberta a opiniões divergentes das dos governantes.

Este vídeo, que encontrei no YouTube, mostra um dos poemas de Agostinho Neto. Ele foi postado por Kuribeka, que tem outros vídeos muito interessantes sobre fatos históricos de Angola, para quem se interessar.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Lembra que Luanda tinha muita poeira?

Pois é, finalmente chegaram as primeiras chuvas. Algumas bem fortes, outras nem tanto... E aquela poeira toda virou lama. Muita lama.

Quem só anda a pé, como eu, nem precisa se preocupar em malhar. Além do exercício da caminhada, é um tal de pular poça de barro pra cá e pra lá... Com o peso extra de terra grudada nas solas dos sapados, as pernas engrossam rapidinho.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Um mês em Angola

Luanda (pelo menos para mim) funciona assim:
  • No final do primeiro dia, você acha que não vai aguentar uma semana;
  • No final da primeira semana, você tem certeza de que não dura um mês;
  • No fim do primeiro mês, bom, você já está achando que um ano talvez seja pouco...

domingo, 6 de abril de 2008

Rio de Janeiro de África

Parece difícil de acreditar, mas Luanda não foi sempre assim caótica. E aqui estão as provas, enviadas por nosso leitora (amiga e agora colaboradora) Flávia.

Até os anos 60, Luanda era uma Cidade Maravilhosa. Era chamada de Rio de Janeiro da África. Foi toda planejada pelos colonizadores. Seus prédios de amplos vãos sob as marquises ofereciam abrigo do sol inclemente. Os apartamentos avarandados e amplos eram bem ventilados.

As ruas seguiam uma ordem e as avenidas radiais levavam à Cidade Baixa, desembocando nas proximidades da Marginal de frente para a baía. Havia praças com jardins bem cuidados, árvores nas ruas, transporte coletivo.

Os portugueses realmente investiam na cidade, mas a projetaram para abrigar 600 mil pessoas. Hoje, ela tem 6 milhões de habitantes que chegaram por aqui sem que a infra-estrutura fosse melhorada.

Se você caminhar sob aquelas marquises de pé direito duplo, vai se “refrescar” com as goteiras dos condicionadores de ar ou sabe-se lá de que tipo de vazamento. Quanto às varandas, bem, a maioria foi fechada para dar lugar a um quartinho a mais já que as famílias que ocupam os apartamentos são numerosas.

O transporte público ruiu, o excesso de veículos travou as ruas e o resto você já sabe. Outro dia eu conto a história de como os portugueses partiram daqui.

sábado, 5 de abril de 2008

A tragédia do DNIC


Hoje faz uma semana que em Luanda só se fala no desabamento do prédio da Direção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) da polícia angolana. Foi uma tragédia. Mais de 150 feridos e 30 mortos, na última contagem oficial.

O prédio, situado no bairro da Cidadela (não muito longe daqui), começou a ruir por volta de 1h30 de sábado passado, dia 29 de março. Às 4h30 foi tudo abaixo. A construção servia como detenção para suspeitos de crimes que ainda estavam a ser investigados. Entre os mortos, um bebê que nascera na cela da ala feminina e sua mãe. Um horror.

Em virtude da tragéda, a Defesa Civil de Luanda saiu às ruas tentando identificar outros prédios em risco de desabamento. Listou mais três, um deles bem na esquina do Largo do Kinaxixe, uma das regiões mais centrais da cidade.

Particularmente, acho que eles não procuraram direito. Diante do estado de abandono da maioria dos edifícios da cidade, não me espantaria se descobrissem que as estruturas de vários deles estão comprometidas.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O dia da paz

Hoje é feriado por aqui. Em 4 de abril de 2002 acabou a guerra civil angolana, e por isso a data foi escolhida como o Dia da Paz. Comemoração importante num país que passou 27 de seus 32 anos de vida independente debaixo de armas.

O conflito em Angola foi um dos mais emblemáticos da Guerra Fria, e foi marcado pela insanidade, pela sede de poder e pelo ideologismo interesseiro típico desse período. “Veste minha camisa que te dou um fuzil” (e depois levo suas riquezas...).

Soviéticos e cubanos sustentavam o MPLA; EUA e Israel garantiam as armas da FNLA; EUA (de novo!) e África do Sul patrocinavam a UNITA.

No fundo, uma confusão despropositada de siglas sem sentido para a maioria dos angolanos, mas que rapidamente fez a cabeça deles, separando irmãos e vizinhos em inimigos e uma nação novinha em folha numa filial do caos.

Para conhecer os detalhes da guerra, leia os 3 post abaixo, fruto de pesquisa feita por F. e sua veia de historiador, que vem aflorando aqui na África...

Dia da Paz - Parte 1: Sopa de siglas

Para entender essa guerra é preciso mergulhar na sopa de siglas que inundou o país no início dos anos 60, quando vários movimentos angolanos começaram a pedir a independência.

Ao norte, Holden Roberto fundou a Frente Nacional de Libertação de Angola, FNLA, em 1961. Defendia a supremacia de seu grupo étnico, os Bakongo.

Mais ou menos na mesma época, estudantes angolanos no exílio, principalmente em Portugal, fundaram o Movimento Popular de Libertação de Angola, o MPLA, liderados por Antônio Agostinho Neto e Viriato da Cruz. Embora tivesse maioria da etnia Kimbundo, era o mais universalista nessa questão, com uma visão de Angola como uma nação única.

O MPLA tinha inclinações marxistas, era financiado pela extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, com apoio de Cuba, o que o impediu de conciliar-se com a FNLA, financiada pelos Estados Unidos e por Israel, além do Zaire.

Em 1966, dissidentes da FNLA fundaram a Unita, União Nacional pela Independência Total de Angola, liderada por Jonas Savimbi. Diziam-se maoístas, depois marxista-leninistas, mas acabaram entrando na guerra civil financiados pelos Estados Unidos e pela África do Sul. Savimbi era Umbundo e também tinha inclinações racistas contra as outras etnias.

Dia da Paz - Parte 2: Independência e morte

Em 1974, com o fim do regime de Salazar em Portugal, a libertação das colônias foi anunciada. As autoridades portuguesas tentaram um acordo entre os três movimentos de Angola. Ficou decidido que haveria eleições livres, mas foi impossível. Ainda antes de os portugueses partirem, as três forças já estavam em guerra entre si.

O MPLA dominava a região de Luanda, Benguela e o Lobito. Para tentar evitar que esse movimento tomasse o poder, a FNLA – apoiada pelas tropas do Zaire - invadiu Angola pelo norte em julho de 1975. A África do Sul invadiu o sul do país com suas tropas para apoiar Savimbi em agosto e o MPLA recebeu reforços cubanos em outubro.

No dia 11 de novembro de 1975, Agostinho Neto declarou a independência e se auto-proclamou primeiro presidente de Angola. O MPLA chegava ao poder, mas a guerra continuava comendo solta.

Em 1976, a FNLA foi derrotado e Holden Roberto fugiu para o Zaire. A luta continuou contra Savimbi. A Unita e a África do Sul sofreriam sua grande derrota em 1988, na batalha do Cuito Cuanavale, onde o MPLA e os cubanos os expulsaram do país. A guerra perdeu força, mas não terminou.

Dia da Paz - Parte 3: A paz, aos trancos e barrancos

Em 1991 o cenário político internacional obrigou as três forças a assinarem o primeiro tratado de paz. O Apartheid havia sido abolido no ano anterior e à África do Sul não interessava mais financiar a Unita; a FNLA havia perdido todo seu apoio com o fim da Guerra Fria e o mesmo aconteceu com o MPLA com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Em 1992, foram marcadas eleições livres. Holden Roberto recebeu apenas 2,1% dos votos, retirou-se de cena e viveu em Luanda até morrer, no ano passado. Jonas Savimbi ficou com 40,07%. E José Eduardo dos Santos, sucessor de Agostinho Neto (que morreu em 1979), foi reeleito com 49,57% dos votos.

Savimbi não aceitou o resultado e retomou a guerra civil. Outros tratados de paz foram tentados e quebrados sucessivamente, até que as Forças Armadas Angolanas mataram o líder da Unita, em fevereiro de 2002.

Em 4 de abril do mesmo ano, foi assinada a paz. José Eduardo dos Santos continua no poder até hoje. A Unita se tornou um partido político e ganhou alguns ministérios no governo. Foram marcadas novas eleições parlamentares para setembro e, no ano que vem, as presidenciais. Dizem que o presidente não vai concorrer.

Mas isso, só o futuro dirá.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

As vítimas silenciosas

Cristina Ngueve foi acompanhar a cunhada ao posto médico da vila onde morava, em Uíla. Na picada, a cunhada pisou no fio que acionava uma mina de instalação. O artefato explodiu ao lado de Cristina. A cunhada perdeu uma perna; ela perdeu as duas. Tinha 18 anos.

Eva Gabriela acordou numa manhã de 1996, abriu a porta da casa em que morava na província de Kuando Kubango, sudeste de Angola, e quando pisou do lado de fora, explodiu numa mina terrestre que havia sido colocada durante a noite. Perdeu a perna direita. Ela tinha 12 anos na época.

Luisa Miguel Adão Gaspar voltava do riacho, na província do Bengo, com um balde de água na cabeça quando pisou numa mina, em 1997. Passou três meses num hospital angolano. Perdeu a perna e a vista esquerda. Ficou seis meses na Alemanha, socorrida por uma ONG, para tentar reconstruir a face. Tinha 12 anos de idade.

Essas histórias ilustram a pior face do conflito civil que destruiu Angola entre 1975 e 2002. Como me disse uma das 18 mulheres mutiladas com quem conversei, elas não pegaram em armas, não lutaram por nenhum dos lados. Aquela guerra não lhes pertencia. Mesmo assim, tiveram suas vidas definitivamente marcadas pela brutalidade.

As 18 sobreviventes tiveram a coragem de participar de um concurso de Miss organizado pelo governo de Angola, o Miss Sobrevivente de Minas, para chamar a atenção do mundo para o problema. Afinal, ainda existem 2,3 milhões de angolanos vivendo em áreas de risco. Angola ainda tem, já mapeados, 3,2 mil campos minados.

Os mais otimistas dizem que ainda vai levar 30 anos para livrar o país dessa desgraça; os pessimistas apostam em 130 anos.

Para quem mora no Brasil, parece que o Estadão publicou hoje uma matéria sobre o concurso de miss. Mas o cara que escreveu lá não contou tantas histórias de sobreviventes.

O primeiro pedido de gasosa

Caminhava lentamente por uma movimentada avenida do centro quando fui abordado:

– Senhor, identifique-se por favor – disse o policial. Saquei minha identidade diplomática e entreguei a ele.
– Ministério das Relações Exteriores? Protocolo Geral? Onde o senhor trabalha?
– Nas Nações Unidas – menti.
– O que é PNUD? Algum partido político?
– Não, é o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
– Ah, o senhor está a ajudar Angola?
– Exatamente.
– Para onde estás indo agora?
– Para uma reunião ali noutro bairro.
– Pois vamos então. O senhor sabe, existem muitos ladrões por aqui. Não como no Brasil, mas há gatunos. O melhor seria fazer uma fotocópia deste bilhete de identidade e deixá-lo em casa. Pode andar só com a cópia.
– Agradeço o conselho, vou segui-lo.

Chegamos à esquina. Ele parou.
– Nosso papel, como policial, é proteger e ser amigo do cidadão. Apreciei muito tê-lo conhecido. O senhor não teria uma gasosa para me oferecer?
– Também apreciei muito tê-lo conhecido, mas não tenho gasosa.
– Mas eu o acompanhei até aqui. E a segurança que lhe prestei?
– Agradeço sua preocupação com minha segurança, mas não pedi que o senhor me acompanhasse.
– Está bem então. Vá em segurança. Quem sabe numa próxima vez que o senhor passe por aqui...

terça-feira, 1 de abril de 2008

Tesouro escondido


Em meio a tanta decadência, com prédios ruindo por todo lado, parece difícil imaginar. Mas a verdade é que Luanda teve seus dias de glória. Encontrei uma prova física disso, esta semana, no Cine Miramar, no bairro de mesmo nome.

O muro branco que fazia as vezes de tela está sujo, mal-cuidado como quase tudo por aqui. Faz muito tempo que não vê uma película. Do espaço, projetado pelo arquiteto português João Garcia de Castilho nos anos 50, sobraram os traços de pompa.

Deviam ser realmente magníficas as noites de cinema ao ar livre, com a baía de Luanda iluminada por navios na entrada do porto. Hoje o espaço só recebe eventos e espetáculos. Por isso as cadeiras alinhadas.