quarta-feira, 30 de julho de 2008

Aos amigos que nos ajudam a voar

Marie nos acolheu na chegada. Lucca nos apresentou ao mar. Zezé nos deu uma grande família angolana. Camaz hospedou nossos móveis, e ainda ajudou a levá-los lá na casa do chapéu... Louise, James, Phil, Viveca, Fabiana e Carlos nos deram teto, o bem mais precioso por aqui! Susana ligou do outro lado do mundo para dar a força e os conselhos que eu precisava no trabalho. Flávia nos acolheu como irmãos, dividiu tantas e tantas mesas de bar, nos deu o gostinho do mundo dos "alfas, bravos e romeus". E tantas outras pessoas nos deram conselhos, contatos, boléias...

Esta manhã, quando Luanda insistia em ficar contra nós, foi de novo a Flávia que nos deu água quentinha para o dia recomeçar relax e cheiroso! Por isso decidi fazer este post para homenagear cada um desses amigos tão importantes na nossa vida luandense.

Há uma frase do italiano Luciano Di Crescenzo que eu adotei como assinatura nos meus emails: "Somos anjos de uma asa só. Temos de nos abraçar uns aos outros para poder voar ". Aqui em Luanda, isso é mais que nunca verdade.

O problema é que até hoje, infelizmente, quem nos ofereceu a mão (ou as asas...) foram sobretudo os expatriados. O individualismo é uma das mais tristes heranças da guerra em Angola. A lei da selva é ainda muito forte por aqui, e se reflete na forma como as pessoas conduzem, moram, trabalham. Difícil encontrar uma ajuda desinteressada.

Espero que, junto da tão falada reconstrução nacional, o angolano possa reconstruir também a solidariedade, que sem dúvida está lá latente na sua alma africana.

Começo de um novo dia

O despertador toca às 5h. Moramos longe agora e para evitar o trânsito é preciso sair cedo. Pulo da cama, aperto o interruptor, não há energia elétrica. O gerador já foi comprado, mas o eletricista não terminou a instalação para que ele funcione. Sem eletricidade, não há electrobomba. Sem electrobomba, não há água para banhos, dentes…

A P. sugere banho numa academia da cidade. Não somos associados, mas é possível pagar uma aula avulsa. Por 10 dólares, dispensaremos a malhação e aproveitaremos os chuveiros.

Mochilas feitas, montamos na Doroteia e uma hora e meia depois chegamos à academia. As regras mudaram. Agora paga-se um pacote de 10 aulas a módicos 150 dólares. E eu só quero um banho.

A P., sempre ela, lança o plano C. Liga para a nossa irmã Flávia e consegue uma ducha free.

Enquanto a P. toma banho, tento me conectar à Internet para adiantar alguns e-mais, mas a Movinet não está a trabalhar. Ok, pra que pressa? Vou ter de ficar até as nove da noite no escritório para não pegar o trânsito.

De banho tomado, percebemos que são 8h e a P. não chegará a tempo na reunião dela se me levar ao trabalho. Ela segue com a Doroteia para a Baixa, eu vou a pé para o escritório, que é mais perto. Basta caminhar uns 10 minutos cruzando o parque entre a Sagrada Família e o Alvalade.

Ando algumas quadras na rua e chego ao portão do parque que alguma mente iluminada trancou com uma corrente. Não há maka. O que é um cadeado no meio do caminho num dia como esse? Pulo o portão.

No escritório, ninguém chegou. A porta da minha sala está trancada e não tenho a chave. Mas, vamos ver o lado positivo das coisas, vou aproveitar para tomar o café da manhã na pastelaria ao lado.

No caixa da pastelaria para o pré-pagamento, descubro que o Multicaixa não está a funcionar. Grande novidade. Pergunto os preços, faço as contas. Faltam-me 10 kwanzas. Posso trazer mais tarde? Venho aqui todas as tardes. Desculpa lá o amigo, mas o caixa é novo, não me conhece, não pode deixar assim.

Ok, volto já. Vou até o Multicaixa mais próximo, uns 50 metros abaixo, para retirar o dinheiro. Está quebrado. Há outro Multicaixa 100 metros adiante. Caminho até lá. O visor informa: “Procure o Multicaixa mais próximo”. Qual? Aquele que está quebrado?

Volto ao escritório sem mata-bicho. A faxineira já chegou, ela tem a chave da minha sala. Abre a porta, ligo o computador, a Internet do escritório também não funciona.

Tudo isso, antes da 9 da manhã.

Tem dias em que eu acho que Luanda preferia que eu fosse embora.

Tem dias em que eu tenho certeza.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Mais um morador

Casa de Luanda tem o prazer de receber mais um morador.

X. é conterrâneo, acaba de chegar a Luanda e trouxe na bagagem uma câmera fotográfica e uma entrevista com Pepetela, feita lá no Brasil. (O Agualusa ele até tentou, mas parece que o moço tem uma corte inteira na barriga).

Seja bem-vindo, X.

O invasor

Quem acompanha este blog sabe das dificuldades que enfrentamos para conseguir uma casa. Já foram várias as vezes em que nos mudamos e nossos amigos, neste momento, dividem-se em dois grupos: aqueles em cujas casas já moramos e aqueles que ainda não nos receberam.

No último fim de semana, nos mudamos para o que, acreditamos, será a nossa casa definitiva. Poderia ser o fim da novela, não fosse a quantidade absurda de problemas que surgiram nas instalações hidráulicas e elétricas. Neste momento, um batalhão de trabalhadores está lá, tentando solucioná-los.

Hoje só quero relatar um episódio. Não faz muito contei aqui uma invasão que o escritório onde trabalho sofreu. Pois bem, ontem foi a minha vez de lidar com situação semelhante. Estava eu me preparando para o sono quando a P., que havia ido buscar água na cozinha, me chama com uma voz típica, que já conheço. Fui até lá e a encontrei parada na sala:

- Tem um rato na cozinha. Eu vi um vulto passar correndo. Não pode ser uma barata, era muito rápido.

Para baratas eu não ligo. Basta pisar sobre elas e está resolvido o problema. Mas, como eliminar um roedor? Armei-me de uma vassoura, cheio de receios, confesso, e planejei abrir a porta da cozinha para espantar o intruso para fora. A P., mais esperta, pediu auxílio ao "senhor Proteção" (como sempre lembra o meu amigo A.).

O vigia entrou, achou o rato, e iniciou uma perseguição. O bicho tentava fugir para a sala, eu o espantava com a vassoura; ele voltava para o outro canto, o senhor Proteção tentava acuá-lo. Depois de um certo baile, o senhor Proteção voou sobre o roedor e o aniquilou. Com a próprias mãos.

Como se nada tivesse acontecido, recompôs-se em seguida, levantou a vítima - que ainda agonizava - pelas orelhas e a levou para fora. A P. impressionou-se:

- Você não seria capaz de fazer uma coisas dessas.

Não mesmo. Já estou a telefonar a empresas para mandar desratizar a casa.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

"Só quem sabe onde é Luanda..."

Ao ler o post do cacimbo, um amigo quis saber onde, se afinal habitámos a mesma cidade, eu encontrava tanta inspiração? Ele acaba de aportar, logo se vê. Por enquanto tem as vistas magoadas por tantas mazelas que nos saltam à frente à chegada, também a mim sucedeu o mesmo quando cá ancorei minhas mochilas.

Não te respondi na hora, amigo, mas o faço agora: a poesia está nos teus olhos.

Se tiveres paciência, logo vais entender o Gilberto Gil, e então... "saberá lhe dá valor".

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Cacimbo sem ponto final

O dia amanhece completamente em preto-e-branco, prédios, árvores, céu, a P a ressonar ao meu lado, tudo em preto-e-branco, como se o friozinho da madrugada, ao resfriar a cidade, lhe roubasse cores e tons e meios-tons antes que a manhã nasça, tímida, nada de explosão de tintas, nasça mesmo devagar, insinuando pequenos tons pastéis em tudo que era cinza e preto e branco e cinza e branco, e tudo começa a ganhar um colorido suave que, ao longo do dia, o vento fresco vai varrendo em prédios, esquinas, carros, gente, bacias de frutas-verduras-sandálias-o-que-puderes-imaginar nas cabeças, como um pincel a reforçar as cores para que, no final, a tarde termine imprimindo tons de laranja encarnado em tudo que se vira para os lados da baía, como a preparar a tela para a chegada da água raz da noite, a descolorir tudo de novo para o dia seguinte...

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Para Rir...

Imagine-se um local de trabalho com muitas nacionalidades. Imagine-se que nem todos falam português e, nem todos falam inglês. Imagine-se que alguns nem saberão uma ou outra língua. Imagine-se tudo isto e, muita criatividade!

WC em Angola - Luanda, Cacimbo 2007

terça-feira, 22 de julho de 2008

Dizem que a Morte é a lei da vida, mas a vida continua. Apesar dos pesares, não podia deixar de relatar, hoje, factos da nossa terra, quando se encomenda a alma ao criador. No cemitério, lá para o lados do Bairro Miramar, onde a elite e a burguesia nacional vão repousar em paz, os acompanhantes, amigos e inimigos, mirones e patos, mulheres e amantes, mais velhas e catorzinhas, mas com mais frequência, altos representantes do poder, com altos cargos no país, levam os seus telemóveis ligados. Sabemos que são pessoas importantes, que têm a seu cargo a resolução dos problemas mais candentes do povo angolano. Têm que estar sempre a par do que se passa, dar ordens e instruções a toda a hora, até mesmo um encontro clandestino que precisa ser combinado, mas, sinceramente, aquela sinfonia a tocar a todo o instante, com trims, trims e musiquetas da banda, brada aos céus.
Estes funerais, para além da última homenagem ao falecido, servem para tudo, há muito boa gente que aproveita a presença dos governantes para tratar dos seus assuntos pendentes nos ministérios e bancos, pedir um empréstimo para comprar casa no Luanda Sul, pois viver em apartamento já não dá. Contaram-me, eu não vi, que foi apanhado um governante a despachar um requerimento em cima do mármore de um mausoléu que ainda não tinha sido profanado pelos novos iconoclastas da nossa cidade.

domingo, 20 de julho de 2008

Oito sonhos da minha vida

A Brasileira nas Arábias lançou o desafio, lá no sítio dela: fazer uma lista com os oito sonhos que desejamos realizar antes de morrer. Parece fácil; não é. Eu tentei e saiu essa lista aí:

1. Participar na construção do mundo melhor em que quero viver.
2. VIVER (assim mesmo, em maiúscula) todo o tempo a que tenho direito nesta terra.
3. Estar perto das pessoas que amo quando elas precisarem de mim (isso implica voltar a viver no Brasil).
4. Publicar os meus livros.
5. Ter um (ou mais) filho(s).
6. Fazer um filme.
7. Transmitir ao maior número de pessoas possível tudo o que eu conseguir aprender.
8. E, quando o fim chegar, sorrir com leveza, sem mágoas ou ressentimentos.

Será que eu consigo? Aparentemente, depende só de mim. E você, quais são os seus 8 (ou 80, vamos ser flexíveis quanto aos números) sonhos da sua vida?

Confusões

Apesar de nunca ter ficado doente em Angola, já precisei de uma consulta na clínica para poder conseguir um atestado médico. Esse atestado médico seria para juntar aos restantes “300” documentos que os portugueses precisam apresentar para o “processo” relativo à carta de condução angolana. Chamam-lhe reciprocidade. Quando fui à clínica, deixei bem claro que queria um atestado médico para esse efeito. Na sala de triagem, com a enfermeira, antes de entrar no gabinete do médico:

Enfermeira: Vou pesá-la, tirar a tensão arterial e a temperatura.
Eu: Temperatura? Mas eu não estou doente!! Eu vim cá para conseguir um atestado médico para tirar a carta de condução angolana! Eu não preciso que me tire a temperatura!
Enfermeira (confusa): Mas é melhor tirar.
Eu: Pode tirar, não tem problema mas, eu acho que não é necessário!
Enfermeira (ainda mais confusa): Vou perguntar ao médico se é mesmo necessário.
Depois de ter perguntado ao médico…
Enfermeira: Sim, é mesmo necessário. Vamos lá tirar a temperatura...
Eu (resignada): Ok!

Já no consultório do médico, bastou explicar para que efeito queria o atestado médico e, em minutos tinha o documento comigo. Sem testes de visão ou outros que pudessem resultar na incapacidade de conduzir.

Conclusão: E se eu tivesse febre? Será que até hoje não teria conseguido o atestado médico???

sábado, 19 de julho de 2008

A tristeza que vira felicidade

Ainda inspirada no post da Migas, Diferenças Culturais, quero contar a história de uma amiga angolana:

Laura tem minha idade, 32 anos, e como a afinidade fluiu de forma natural desenvolvemos uma boa amizade. Com ela aprendi muito sobre a cultura angolana, mas definitivamente sob influência do seu ponto de vista ocidental. Sim, Laura é uma mulher muito inteligente, e que sempre fez questão de demonstrar que os seus anos de Europa não foram em vão.

O namorado da Laura é que por vezes deixava um pouco a desejar... Artur, homem também de muito bom nível cultural, nunca que pedia a mão da moça em casamento. A ansiedade da Laura ia crescendo, mas a vida seguia o seu rumo habitual.

Um dia Laura me liga desesperada a dizer que precisava conversar. Ao encontrá-la sua frase foi curta e direta: “Meu teste foi positivo”. Não entendi, pensei que fosse o de gravidez, mas neste caso sua alegria seria imensa. Ela então prosseguiu: “Tenho o vírus da SIDA”. Eu não sabia o que falar, mas ela precisava do meu apoio. Passamos longas horas conversando e perguntei se o Artur tinha feito o teste também. Ela disse que não, mas explicou que ela optara por fazer o teste por desconfiar dele.

Foi difícil para Laura convencer Artur, que depois só aceitou abrir o envelope do laboratório ao lado dela. A descoberta para ele também foi dolorosa, mas ele tinha então o apoio dela.

Difícil para mim é explicar agora a aura de cumplicidade que surgiu entre os dois. Um tempo depois Artur a pediu em casamento, e daí para frente a minha amiga é uma mulher radiante, transbordando felicidade!

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Dois versos em cada cigarro

Eu hoje li uma história escrita por Gabriel García Márquez, depois de se encontrar com Agostinho Neto, em meados de 1976. Não sei é verdadeira. O escritor colombiano a conta como se a tivesse ouvido da boca do herói angolano.

Durante os anos em que ficou preso, Agostinho Neto (para mais referências, leia estes posts sobre a independência e sobre uma polêmica recente) foi proibido de escrever. Ele então compunha seus poemas com letras miúdas, em pequenas tiras de papel, e os escondia enrolados dentro de um cigarro.

Às vezes, só havia dois versos em cada cigarro.

Quando sua esposa, Maria Eugênia, ia visitá-lo, ele lhe oferecia um cigarro. Ela o levava sem acendê-lo, porque sabia que era o dos versos. Em sete anos de cárcere, ele escreveu “Sagrada Esperança”, seu livro de 49 poemas.

Achei que devia reproduzir aqui esta história porque revela muito sobre a forma como este país conquistou a sua liberdade. E porque lembranças desse tipo andam a fazer muita falta nestes tempos entorpecidos de capitalismo selvagem.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Diferenças Culturais

Muitas das histórias que passarão por aqui, são fruto da vivência com alguns angolanos. Pobres. Na maioria das vezes, jovens. Muitas histórias são fruto dos relatos que ouço calada. Outros são resultados de conversas. A que trago hoje é uma mistura dos dois. De início ouvi calada sem querer dar opinião de branca e mulher. Depois, acabei por entrar na conversa e ouvi o que já esperava.

O Moisés é um jovem religioso. Ou melhor, a sua namorada é. E como tal, para que pudessem “brincar” teriam de casar antes. Até aqui nada estranho. O Moisés casou, depois das enúmeras conversas que teve com os colegas sobre as suas intenções com a moça, que eu ouvia calada. Um dia, depois do esperado casamento (e da mais esperada lua-de-mel que teve como cenário uma casita na Ilha do Mussolo) um colega pergunta ao Moisés porque ele tinha casado. Ele respondeu que queria, tal como a noiva. O outro jovem disse-lhe que tinha feito muito mal. E perguntou-lhe: e se ela agora não conceber? O Moisés respondeu-lhe que não tinha mal, que ficava com ela na mesma. O outro apresentou-lhe os casos que conhecia e que tinham acabado mal. Concluiu que primeiro deve conceber-se a noiva e só depois casar. Depois de ter ouvido os argumentos todos do jovem anti-casamento com pessoas inférteis, perguntei-lhe: então e se a mulher não puder ter bebés, não tem direito a ser feliz? Ter um companheiro? Não – respondeu ele. Em casa tem de haver alguém para partir copos. Acrescentou: É a cultura africana. E o olhar que se seguiu fez-me “meter o rabinho entre as pernas” e terminar a minha intervenção.

De notar que todos estes jovens tinham carinho por mim e eu, por eles. Às vezes diziam “nós” como se eu também fosse Angolana. Mas em dois casos, marcaram a diferença entre o branco/africano e demonstraram que a minha cultura é diferente da deles. Eu sei que é. Mas este tema pareceu-me cruel demais.
O Moisés em pouco tempo concebeu a esposa. Quando lhe perguntei sobre a sua vida (e casamento), respondeu-me que ia ter um bebé mas pediu-me segredo com os outros.

Eu gosto de crianças e um país só pode realmente pensar num futuro quando as crianças existem, são bem tratadas e podem crescer saudáveis e com educação disponível. Temo que as crianças – tantas – concebidas antes dos casamentos que na maioria das vezes nem se concretizam, não possam ter um futuro feliz. Porque a taxa de natalidade é algo que não atormenta este país e, ao que parece, faz parte de uma cultura que permanecerá por muito mais tempo.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Estereótipos – Parte 2

J. (aquele o professor deste outro post, lembra?) chegou na universidade e durante duas semanas, sua sala permanecia vazia. Só podia ser culpa do atraso em sua chegada, pensou. Como o semestre iniciara sem aquela disciplina, talvez ninguém soubesse que finalmente o professor chegara.

Mas intrigava-o uma coisa. De quando em quando um jovem colocava a cabeça pela porta, olhava pra ele, ia embora. Resolveu investigar e, advinhem?

Os alunos passavam pela sala para ver se afinal o tal professor brasileiro havia chegado. Olhavam para ele e, claro, só poderia ser um estudante angolano. Um negro brasileiro, ainda jovem daquele jeito, não seria professor universitário. Muito menos de uma das instituições mais respeitadas do Brasil. Afinal, eles assistem às TVs brasileiras e o Brasil é um país de brancos.
Ah essa TV brasileira...

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Violência calada

O tema da violência é um tabu em qualquer lugar do mundo. Quando toco no assunto por aqui, sou logo desautorizado pelo argumento incontestável: "Desculpa lá, mas tu como brasileiro não tem nenhuma autoridade para reclamar disto". É verdade. As grandes cidades brasileiras são muito mais violentas do que Luanda.

O que não quer dizer que aqui seja o paraíso.

Hoje li no blog da Menina de Angola um relato sobre fatos muito tristes que aconteceram com duas brasileiras e que estão sendo escondidos pela mídia e pela comunidade brasileira.

Não se trata de fazer alarmismos, mas recomendo a leitura porque temos o direito de saber o risco a que estamos sujeitos.

sábado, 12 de julho de 2008

Madrugada animada

Quando voltava para casa ontem eu ia conversando com um angolano sobre as diferenças entre o Código da Estrada daqui e o do Brasil. E ele me deu uma informação interessante: depois das 19h, não se buzina. Está na lei. Se você buzinar ao lado de um polícia, vai ser parado.

Bom, aí eu cheguei em casa e esqueci a história toda até as 2h30 da manhã, quando acordei com alguém buzinando. Buzinava insistentemente. Achei estranho e fui espiar pela janela. Do outro lado da rua, alguém estacionara na entrada de veículos de uma casa. O dono chegou, queria guardar o carro na garagem e não podia. Levou bem uns 10 minutos buzinando até o folgado aparecer para tirar a viatura.

Voltei a dormir e, às 4h30, um galo destemperado começou a cantar. Nunca tinha ouvido esse galo até então e achei que estava sonhando, porque outro dia a Kianda ainda falou em num galo que cantava às 4h da tarde neste comentário. Mas não. O desgraçado estava a cantar mesmo e assim permaneceu por longas horas. Às vezes fazia uma pausinha, só o tempo de o sono começar a pegar, pra voltar a berrar a plenos pulmões.

Quando ele finalmente parou, o meu despertador tocou. 7h30. Deixei-me ficar na cama por mais uns 15 minutos, mas só.

Hoje foi dia de mudar de novo. Acabou-se o sonho da quinta - e melhor - casa em quatro meses de Luanda.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Roubar e não poder carregar...

Fernando tocou no assunto dos assaltos e lembrei que outro dia a cozinheira de uma amiga faltou ao trabalho por dois dias seguidos. Estranho, dona M. não era daquilo! Minha amiga foi investigar e ouviu a horrível história que se segue:

M. mora numa casa simples, nas proximidades do Largo da Gamek, região de Luanda Sul. Uma noite, um bando tomou de assalto a rua, tocando o terror na vizinhança. Armados com fuzis, pistolas e metralhadoras, os bandidos invadiram casas, espancaram moradores e roubaram tudo. O que podiam e o que não podiam carregar.

Para solucionar a falta de braços, seqüestraram alguns moradores e os obrigaram a carregar os próprios pertences que estavam sendo roubados.

O filho de M., de apenas 8 anos, foi um dos escalados para ajudar os bandidos. Fizeram a criança andar até o Benfica, muito distante dali, e depois a largaram sozinha lá.

O miúdo não sabia voltar para casa e vagou por dois dias sozinho, até que uma boa alma o ajudasse a reencontrar a mãe.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Estereótipos

J. é brasileiro, jovem, professor universitário, recebeu um convite para lecionar em Luanda e mudou-se para Angola. Na chegada ao aeroporto haveria um motorista a esperá-lo, avisaram. Ele chegou, aguardou no saguão, nada. Achou afinal um rapaz que segurava um cartaz com o nome da universidade.

- Olá, você é o motorista da universidade?
- Sim senhor, estou a esperar um professor.
- Eu sou o professor.
- Não, estou a aguardar um kamba brasileiro.
- Pois é, sou eu mesmo.

O motorista espantou-se e tal, o professor faça o favor de me desculpar, achei que fosse angolano, cá em Angola estamos muito habituados a assistir as TVs brasileiras, tás a ver? Achava que no Brasil só houvesse brancos...
Ah essa TV brasileira...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Vias de facto

O trânsito ia congestionado nas imediações do Zé Pirão, até aí nenhuma novidade, quando percebi uma agitação do outro lado da avenida. Um pequeno acidente entre dois candongueiros. Pequeno mesmo, nem se notava qual era o amassado novo, entre os tantos outros que já criam barbas nas maltratadas carrinhas.

Mas eis que os dois motoristas e mais seus cobradores e mais alguns passageiros, ou desocupados que por ali estavam, abandonaram os bons modos e partiram para pancadaria mesmo. Ali, às 9h da manhã, em plena luz do dia.

No meio de tudo, um senhor polícia (da ordem pública, não do trânsito), tentava acabar com a briga, mas estava mais era a apanhar do que a conseguir conter os ânimos.

Discussões acaloradas por causa do trânsito eu já havia visto aos montes, mas o pau comendo mesmo (como se diz lá no Brasil), foi a primeira vez.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Mistério desvendado

Assim que cheguei a Luanda chamou-me a atenção o fato de todos os ralos de piso serem vedados. Perguntava-me qual razão teria levado os irmãos angolanos a tapar a sempre útil saída de água, que nos permite lavar ambientes internos da casa como banheiros, cozinhas, etc.

Cheguei até a planejar um post perguntando aos leitores daqui a resposta para o enigma. Mas sempre deixava para outro dia e agora não é mais preciso.

Hoje, logo cedo, encontrei o escritório em alvoroço feminino. Três colegas que trabalham na sala ao lado chamavam toda a malta para ver, no vaso sanitário do banheiro, o defunto do que fora um rato.

Na noite anterior, uma das moças destapara o ralo e o ambiente foi invadido pelo intruso. Para sorte de todos, o indigitado não sabia nadar.

Está desvendado, portanto, o mistério: os ralos são vedados para impedir a entrada dos ratos.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Puto Tuku

Hoje Paulo Flores vai dar show, vinte anos de Semba, vinte anos de carreira. O Povo gosta dele e, e nós, na Diáspora vamos cantar com ele, Angola.
Mas, o Paulo tem nome feito e hoje gostava de vos falar do miúdo Penas, dezassete anos, que aparecia no quintal do Kota Kapipita, sempre com a sua viola, dedilhando sons de semba, que os outros gostavam de ouvir, nos intervalos das conversas do mais velho, que tambem se entusiamava com o geito que o garoto tinha para a música. O sonho dele era um dia poder tocar ao lado de Carlos Burity ou do Paulo Flores, mas no bairro o que estava a sair, era o kuduro, música nascida da miséria dos bairros pobres da periferia, generalizada por adolescentes procurando notoriedade, uma forma de se afirmarem num país onde a justiça é madrasta. Tinha boa voz, começou a imitar as canções dos kuduristas mais consagrados, Helder, o rei, Dog Murras, o patriota, Sebem, o mais popular e o Puto Prata, o doutorado. Mais tarde, passou a escrever as suas canções, evitando sempre enveredar pelas palavras obscenas, que alguns deles usavam nas suas canções. No quintal do Kota, faziam roda, com palmas e imitando os sons instrumentais, cantavam e dançavam essa música suburbana, mas que já tinha invadido as casas e salões frequentados pela média e alta burguesia de Luanda. As letras eram de protesto, procurando retratar os problemas de todos os dias, a criminalidade, a prostituição, a corrupção, a falta de água e luz, enfim, todos os problemas que estamos com eles, "estamos male e male", "nós kuba no chão"," eles podem, nós não podemos" "eles têm, nós não temos", "nos estão a maiar a vida", "aiué, mwangolê, teu futuro é o quê, então?
O miúdo inventou um nome artistico "Puto Tuku", (penas em kimbundu), e começou a gravar discos num estúdio improvisado do Kazenga. Teve azar, começou a andar com a garina Toya, que tinha sido namorada do chefe do gangue Sambila Squad e foi baleado. Os amigos que tinham andado no crime quizerem tirar forra, mas o Kota não deixou. O problema da violência já está a ficar feio, se não se tomarem medidas a sério, um dia destes, quem fica preso, somos nós, os honestos, que não podemos sair à rua, sem que nos tombe em cima, um assaltante com faca, pistola ou mesmo metralhadora, disposto a matar por dá cá aquela palha, os bandidos vão tomar conta da cidade, explicou o Kota Kapipita, o que acabou por convencer os mais agastados, que violência em cima de violência não era a melhor solução.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Luanda no cacimbo

Estou pronto a admitir, por mais que eu não acreditasse que isso fosse possível, que está a fazer frio em Luanda. Hoje mesmo, em pleno meio dia, sol indiscreto a brilhar no céu, um vento fresquinho mantinha a temperatura amena.

Nada que exija malhas ou casacos, mas ideal para um kalulu de carne seca com funji e kizaka.