quarta-feira, 30 de julho de 2008

Começo de um novo dia

O despertador toca às 5h. Moramos longe agora e para evitar o trânsito é preciso sair cedo. Pulo da cama, aperto o interruptor, não há energia elétrica. O gerador já foi comprado, mas o eletricista não terminou a instalação para que ele funcione. Sem eletricidade, não há electrobomba. Sem electrobomba, não há água para banhos, dentes…

A P. sugere banho numa academia da cidade. Não somos associados, mas é possível pagar uma aula avulsa. Por 10 dólares, dispensaremos a malhação e aproveitaremos os chuveiros.

Mochilas feitas, montamos na Doroteia e uma hora e meia depois chegamos à academia. As regras mudaram. Agora paga-se um pacote de 10 aulas a módicos 150 dólares. E eu só quero um banho.

A P., sempre ela, lança o plano C. Liga para a nossa irmã Flávia e consegue uma ducha free.

Enquanto a P. toma banho, tento me conectar à Internet para adiantar alguns e-mais, mas a Movinet não está a trabalhar. Ok, pra que pressa? Vou ter de ficar até as nove da noite no escritório para não pegar o trânsito.

De banho tomado, percebemos que são 8h e a P. não chegará a tempo na reunião dela se me levar ao trabalho. Ela segue com a Doroteia para a Baixa, eu vou a pé para o escritório, que é mais perto. Basta caminhar uns 10 minutos cruzando o parque entre a Sagrada Família e o Alvalade.

Ando algumas quadras na rua e chego ao portão do parque que alguma mente iluminada trancou com uma corrente. Não há maka. O que é um cadeado no meio do caminho num dia como esse? Pulo o portão.

No escritório, ninguém chegou. A porta da minha sala está trancada e não tenho a chave. Mas, vamos ver o lado positivo das coisas, vou aproveitar para tomar o café da manhã na pastelaria ao lado.

No caixa da pastelaria para o pré-pagamento, descubro que o Multicaixa não está a funcionar. Grande novidade. Pergunto os preços, faço as contas. Faltam-me 10 kwanzas. Posso trazer mais tarde? Venho aqui todas as tardes. Desculpa lá o amigo, mas o caixa é novo, não me conhece, não pode deixar assim.

Ok, volto já. Vou até o Multicaixa mais próximo, uns 50 metros abaixo, para retirar o dinheiro. Está quebrado. Há outro Multicaixa 100 metros adiante. Caminho até lá. O visor informa: “Procure o Multicaixa mais próximo”. Qual? Aquele que está quebrado?

Volto ao escritório sem mata-bicho. A faxineira já chegou, ela tem a chave da minha sala. Abre a porta, ligo o computador, a Internet do escritório também não funciona.

Tudo isso, antes da 9 da manhã.

Tem dias em que eu acho que Luanda preferia que eu fosse embora.

Tem dias em que eu tenho certeza.

11 comentários:

Menina de Angola disse...

F. que dia, hem! Sabe o que eu penso nesses dias em que tudo dá errado?! Isso passa, se meus colegas conseguiram sobreviver a vida toda assim eu também posso. Lógico que isso eu só penso depois de praguejar muito hehehe.

bj e boa sorte!

Migas disse...

Ai F., como eu sei o que isso é. A semana passada estive 3 dias sem água em casa. Dá para acreditar? Eu agora brinco com a situação porque sei que, se me chatear, vou gastar a minha beleza. ahahah Então, andei 3 dias sem banho decente mas, sem desesperar! ahahah Mas no início, em Luanda, bastou a primeira vez isto acontecer, para eu ter um ataque de nervos!

Eu também às vezes penso em desistir. Eu diria que todos os dias penso em desistir, sobretudo quando perco horas da minha vida enfiada no carro. Mas depois chego a casa, durmo, esqueço. Depois vem o domingo, durmo mais e esqueço por mais uma semana! :o)

Anônimo disse...

Oh Caro F. tenha calma. Afinal não é o fim do mundo! Quem não esteve já sem água uns bons dias? Eu estive pelo menos 4. São contingências típicas.
Eu primeiro praguejava, berrava, revoltava-me, agora... respiro fundo e penso que há quem esteja bem pior!

F. disse...

Amigos, se fosse só a falta de água, até relevava. Os leitores mais antigos leitores sabem que já passei uma semana sem água quando os chineses romperam a conduta principal da cidade, em abril. O problema é a conjunção de fatores, tudo num espaço de quatro horas. Tem coisa mais irritante do que o multicaixa nunca funcionar quando você precisa? Garanto que, se tivesse 10 mil kwanzas no bolso, estaria funcionando plenamente.

Anônimo disse...

F.,
Parece que há dias que nem devemos sair de casa, né? Caramba! Mas tem que sair, fazer o quê?
Eu não sei se é viável, mas será que nào valeria a pena vocês comprarem um cofrinho e deixarem alguma grana em casa?
O problema da falta d'água nem tenho sugestão... Talvez aqueles garrafõs de 20 litros de água mineral/ potável? Existe aí? (desculpe a minha ignorância)
Respire fundo. Amanhã é um novo dia, e vai ser melhor. ;)

Anônimo disse...

Ah,vai haver uma blogagem coletiva sobre amamentaçào no dia 1 de agosto, comemorando a semana mundial de incentivo ao aleitamento materno. A idéia foi proposta no blog Síndrome de Estocolmo. Eu vou postar algo e acrescentar como é esta questão aqui no Oriente Médio. Deixo a sugestão para vocês, se tiverem tempo e acharem conveniente. Bjs em todos.

Viver em Luanda disse...

P e F...

Um dos meus primeiros comentários para vocês foi... Paciência... isso é um exercício diário.

Estou aqui ja fazem dois anos e a cada dia tenho que renovar meu estoque de paciência.

É claro que cada vez mais fico prevenido contra o que pode acontecer nesta cidade. Até caixa d'água coloquei aqui no meu apartamento. Já fiz de um tudo para evitar os problemas rotineiros... quando acontecem... me torno monge... medito...

Sucesso...

Hélio

Anônimo disse...

Meus caros, falta de água e de luz é o pão nosso de cada dia, desde a nossa independência. O angolano sofreu e sofre. No principio, não havia cooperação ou muito pouca. Angolano sobe escadas com água, não há elevador, sobe escadas com as compras, cinco ou oito andares,com as botijas de gás, sobe mais escadas no prédio, tem miudos que ajudam, descem o lixo. Muitos enmaluqueceram, a maior parte desconseguiu e bazou.Eram e são os problemas que estamos com eles.Promessas e mais promessas que a água não vai mais faltar, que a barragem de Kapanda vai dar luz a toda a gente, até o pobre vai ter direito a essas mordomias!!! O que se vê? Até os expatriados sofrem, não vieram para aqui para se lavar com a caneca e o balde de plástico, ver televisão(?) à luz da vela.Caixa do kumbú que não dá dinheiro, empregados mal dispostos, solidariedade não existe. O que aconteceu ao meu povo, tão heroico e generoso? Que sabia tão bem receber, amigo do seu amigo, onde estrangeiro sempre era bem tratado.Vou chorar para um canto e tirar este peso das costas.

F. disse...

Fernando, tire esse peso das costas amigo. Cada lugar tem seus problemas. E não importa em que parte do mundo estejamos, sempre teremos dias ruins, em que tudo dá errado logo cedo. Kandandu forte.
É isso Hélio, você está certo. Aqui são esses problemas, em outro lugar seriam outros. Nós sabíamos de todas as dficuldades quando escolhemos morar aqui. Dividi-las com os amigos é apenas uma forma de desabafar.

Anônimo disse...

F. e P. sou suspeito para falar, mas quero lembrar que tudo isso é resultado de uma opção. Confesso que invejo vocês de não passar essa experiência. Claro, já passei por muitas e cada um tem a sua. Entretanto, a escolha de vocês tem uma causa, é digna, humana, moral, ética, honesta, enobrecedora. Que vocês e tantos outros que estão na mesma "prova" possam ser sempre iluminados e receber Energia do grande Cosmo, para que acordem cada dia com mais motivação, com mais vontade. Nada, nem ninguém vai pagar vocês por esse tempo. Entretanto, num dia futuro, estarão refletindo sobre vossas histórias de vida, compartilhada, e estarão tendo uma sensação plena do verdadeiro dever humano realizado. Nesse dia, sentirão o Deus que existe dentro de vocês.
Que as melhores Energias protetoras os envolvam e protejam sempre.
chr

Anônimo disse...

Cresci em Angola depois da independência sem água e luz, era o tempo do banho de caneca e de ler à luz de velas (as escondidas porque a mãe não deixava porque fazia mal à vista), só mais tarde vieram as mordomias de gerador e bomba de água...abrir a torneira e sair SEMPRE água, acender a luz e funcionar, só quando cheguei à Europa em 92. Foi mau??? Nem sempre, aprendi a não desesperar nos (poucos) dias em que faltou água aqui (sim, aqui em Portugal) e brinquei muito mais no quintal e na rua com os meus amigos, em vez de ficar a ver tv.

Claro que eu percebo a soma dos factores neste post do f. e em Luanda, foi por isso que tentei um ano e voltei para aqui, a única coisa que me faz confusão é que eu sempre achei que expatriado só sai do seu País para procurar melhores condições ... ??!!

P.S. Tenho que assumir que me ri a ler este post, o dia não foi fácil, heim? Parecia o filme "Um ia de Raiva" com Michael Douglas, ehehehe