quinta-feira, 17 de julho de 2008

Diferenças Culturais

Muitas das histórias que passarão por aqui, são fruto da vivência com alguns angolanos. Pobres. Na maioria das vezes, jovens. Muitas histórias são fruto dos relatos que ouço calada. Outros são resultados de conversas. A que trago hoje é uma mistura dos dois. De início ouvi calada sem querer dar opinião de branca e mulher. Depois, acabei por entrar na conversa e ouvi o que já esperava.

O Moisés é um jovem religioso. Ou melhor, a sua namorada é. E como tal, para que pudessem “brincar” teriam de casar antes. Até aqui nada estranho. O Moisés casou, depois das enúmeras conversas que teve com os colegas sobre as suas intenções com a moça, que eu ouvia calada. Um dia, depois do esperado casamento (e da mais esperada lua-de-mel que teve como cenário uma casita na Ilha do Mussolo) um colega pergunta ao Moisés porque ele tinha casado. Ele respondeu que queria, tal como a noiva. O outro jovem disse-lhe que tinha feito muito mal. E perguntou-lhe: e se ela agora não conceber? O Moisés respondeu-lhe que não tinha mal, que ficava com ela na mesma. O outro apresentou-lhe os casos que conhecia e que tinham acabado mal. Concluiu que primeiro deve conceber-se a noiva e só depois casar. Depois de ter ouvido os argumentos todos do jovem anti-casamento com pessoas inférteis, perguntei-lhe: então e se a mulher não puder ter bebés, não tem direito a ser feliz? Ter um companheiro? Não – respondeu ele. Em casa tem de haver alguém para partir copos. Acrescentou: É a cultura africana. E o olhar que se seguiu fez-me “meter o rabinho entre as pernas” e terminar a minha intervenção.

De notar que todos estes jovens tinham carinho por mim e eu, por eles. Às vezes diziam “nós” como se eu também fosse Angolana. Mas em dois casos, marcaram a diferença entre o branco/africano e demonstraram que a minha cultura é diferente da deles. Eu sei que é. Mas este tema pareceu-me cruel demais.
O Moisés em pouco tempo concebeu a esposa. Quando lhe perguntei sobre a sua vida (e casamento), respondeu-me que ia ter um bebé mas pediu-me segredo com os outros.

Eu gosto de crianças e um país só pode realmente pensar num futuro quando as crianças existem, são bem tratadas e podem crescer saudáveis e com educação disponível. Temo que as crianças – tantas – concebidas antes dos casamentos que na maioria das vezes nem se concretizam, não possam ter um futuro feliz. Porque a taxa de natalidade é algo que não atormenta este país e, ao que parece, faz parte de uma cultura que permanecerá por muito mais tempo.

9 comentários:

turbolenta disse...

Realmente há culturas em que o factor família, fecundidade, se sobrepõe mesmo às muitas dificuldades por que passam para poderem criar tanta boca. Mesmo por cá esses hábitos não se perdem. É hábito terem filhos muito cedo e uma grande família. Dizem que quem cria 1 cria 3 ou 4.
Claro que para os Europeus a questão não se põe nos mesmos ,moldes. A independência económica, o bem estar, a educação das crianças não se compadecem com famílias numerosas pois os ordenados não crescem na mesma proporção. Por isso, cada vez a natalidade é mais pequena.
Maneiras diferentes de ver a mesma coisa. Diferentes culturas!
Boa semana

Anônimo disse...

Há que se pensar no planeta Terra e sua capacidade de sustentação e auto-regeneração. Sendo assim, as culturas terão que se adaptarem sob pena de suas sociedades pagarem um preço alto pela desatenção.
chr

F. disse...

Para o Angolano, filho é riqueza. É isso que ouço sempre que pergunto a alguém por que raios teve cinco ou seis filhos. A mulher que não concebe é estigmatizada pela sociedade.

Anônimo disse...

O F. tem razão, em primeiro lugar, para o angolano filho é mesmo muito importante. Mas existem tradições, que não têm nada a ver com a cultura europeia.Apesar de estar a perder-se nas cidades, ainda há muitas regiões de Angola, onde, para se ter uma jovem, é preciso dar "alembamento", ofertas aos pais ou tios maternos da pretendida, panos, bois, cabras, vinho, e mesmo dinheiro e, se a moça não concebe, o noivo vai entregar a noiva aos seus familiares e tenta receber as oferendas dadas. Nas cidades, como Luanda, esta tradição quase já não existe, como hoje o amor é mais livre, dá-se o caso de primeiro terem filhos e depois casarem, mas não tem nada a ver com usos e costumes da terra.O contrário, são estórias, que cada um conta à sua maneira, o angolano é muito inventivo, e quando está em face de outras culturas gosta de se exibir.

Migas disse...

Eu já ouvi falar no alembamento também Fernando. Penso que a tradição ainda se mantém em algumas famílias, mesmo em Luanda. Já chegaram a perguntar-me se em Portugal também havia alembamento e, à minha resposta negativa disseram: assim é que é bom! Tenho de ir para lá para arranjar uma dama e não ter de pagar os panos e as gasosas...ahahah Claro que os noivos é que disseram isso! :o) A ideia que eu tenho é que, após o alembamento, em certas famílias, o casal passa a ter autorização para outras brincadeiras! ahahah

E agora, tire-me esta dúvida: o que tem de especial o alembamento de Malange? Já me falaram que era "bravo" para o noivo mas não sei o que queriam dizer! :o)

Laurinha disse...

Acredito que culturas e seus hábitos só se modificam mediante uma situação muito grave como guerras e fome, e que muitas vezes, para não se perder a identidade cultural, se agarram mais ainda à seus hábitos...
Beijinhos

Menina de Angola disse...

Em se falando em alambamento, fico feliz de saber que não é só nas provincias que tem. Outro dia um dos nossos colaboradores fez o seu, a festa foi muito bonita, infelizmente nao pude ir, mas quem foi contou que a tradição ainda vive em Luanda.
O problema de filhos, não é so de Angola é um problema social de todos os paises subdesenvolvidos no Brasil também, principalmente nas comunidades mais pobres. Pra mim a igreja tem muita culpa nisso pois desistimula todo o tipo de prevenção... Mas já que as crianças existem, temos de lutar para que elas tenham um futuro digno.

bj

F. disse...

Migas, parece que o alembamento no Bié também é dos mais difíceis, com famílias exigentes demais. Em Luanda o alembamento ainda existe sim. Eu conheci aqui um amigo brasileiro que começou a sair com uma moça mangolê. Em determinado momento, ela disse que não podia contar ao pai do namoro entre eles, a menos que os apresentasse. Ele aceitou ser apresentado, mas aí ela disse que ele teria de dar uma lista imensa de presentes para toda a família para ser autorizado a sair com ela. Ele desistiu de conhecer a família...

Anônimo disse...

Ainda bem que as diferenças culturais existem, para bem da diversidade. Devem ser respeitadas com o máximo de tolerância. Mas casos como estes, lembram-nos a importância do bom senso!