A pergunta é direta: se pudesse enviar um recado aos políticos que concorrerão na eleição de setembro, o que você diria?
Ingrácia Domingos, 47 anos (de camiseta preta, na foto), fica em silêncio. Ela tem sete filhos (Inês, a outra moça da foto é uma delas), mora numa casa humilde em Cacuaco, cidade distante cerca de 20 km de Luanda.
- Assim o senhor perguntando é difícil de dizer.
Não é tão difícil assim, Ingrácia. Difícil foi ter perdido o primeiro filho, que hoje teria 27 anos, para as febres do paludismo. Difícil foi ter visto a filha Vivia, de 7 anos, contorcendo-se das dores e diarréias do cólera que quase a levou também, ainda mesmo no ano passado.
- É que o senhor sabe, eu não vou encontrar nenhum deles pra poder dizer nada.
De certo que não, Ingrácia. A chance de um deles aparecer na sua casa é a mesma de chegar a água encanada e tratada para acabar com as cinco viagens que você faz, todos os dias, para comprar bacias de 20 litros a dois quilômetros de sua casa. Idas e voltas, noves fora, são 20 quilômetros de caminhada todos os dias com 20 litros de água na cabeça.
- Se encontrasse um deles? Não saberia o que pedir.
Então você não tem água em casa, seus filhos adoecem por falta de saneamento, as caçulas estão fora da escola por falta de vaga e você não tem nada para pedir, Ingrácia?
- Já que o senhor insiste, eu pediria apenas para terem paciência, que é para aquela guerra não voltar. Porque quando ela voltou, em 1992, foi muito triste e mais gente morreu nas províncias. Só pediria isso a eles, para nunca mais voltar aquela guerra.
Paz. É só o que o povo pede.
Uma bailarina de peso
Há 5 dias
10 comentários:
Esta reportagem toca num assunto muito especial, F. O básico e o simples, parece muito para essa família que só espera paz. A vida é muito dura para algumas mulheres deste país...
Olá, F.,
Corta-me o coração ler seus textos... O Brasil fica parecendo a "Ilha da Fantasia"...
Bem, conto que recomendei o blog a um aluno que se interessa deveras por assuntos de África. Esperem a visita dele, é o Carlos...
Bjs a vcs
Nan
Olá,
Descobri o vosso blog há uns dias e de uma maneira geral gostei muito do que li. Por isso, tenho cá voltado sempre que publicam novos posts.
Parabéns pelo bom trabalho.
PCS
F.,
Fiquei em dúvida... Seria mesmo não saber o que dizer ou teria medo do que poderia pedir?
Soa tão descrente um pedido de paz deste jeito, né? Parece que as pessoas ainda não deixaram cair a ficha de que a guerra acabou. E talvez não tenha mesmo,porque o cessar fogo não significa que todo o pesadelo deixou de existir. Uma parte dele ainda está lá... Uma pena. Fico triste de ver esta falta de esperança. É mais ou menos assim que me sinto em relação à nossa situação no Brasil. Reconheço que tivemos melhoras, mas fico triste quando penso que poderiam ter sido bem mais significativas. Bjs.
Tou meio sem palavras f., belo texto ... fico com a mesma ideia da "brasileira nas arabias", o povo ainda não acredita, passado 6 anos, que a paz é efectiva ... foram muitos anos em guerra e por vezes, de certeza, ainda parece que a paz não chegou !!!
...mas a guerra continua, só que é outra. Antes, eram as mortes dos tiros das AK-47, das minas,das katiuskas, dos morteiros; hoje, são as mortes da fome, da cólera, da Sida, do paludismo e de tudo e mais alguma coisa.Sofrimento é demais, o nosso Povo quer paz, mas não é só a dos tiros, não. É de tudo o resto.
O sofrimento causado pela guerra é tamanho que tudo o mais perde a importância. É muito atroz. E Ingrácia é uma mulher generosa.
Semana que vem devo estar vendo isso tudo de perto. Obrigada pelo blog.
Josie.
Migas, de fato a vida é dura para muita gente. E concordo com você de que mais dura é para as mulheres.
Nan, acho que o Brasil também tem coisas muito duras fora das grandes cidades em que circulamos, essas sim verdadeiras ilhas da fantasia. Obrigado pela propaganda do blog ;-)
PCS, obrigado pela visita. Volte sempre.
Brasileira nas arábias, eu acho que você tem uma certa razão. Talvez ainda exista um certo medo em reivindicar, porque isso pode trazer represálias... Talvez não traga mais, mas as pessoas ainda tem na memória os tempos difíceis.
Kianda, vou escrever um novo post só sobre o seu comentário.
Fernando, outro dia alguém me disse algo parecido com o que o você escreveu: "A guerra não acabou, só mudou. Agora não é mais bélica, é econômica".
Josie, você vem para Angola? Seja bem-vinda. Tenho certeza de que vais gostar muito. É muito fiche.
Esse texto é de cortar o coração...
Celina
Essa dificuldade de saber o que quer e poder falar está de acordo com o momento educacional, cultural e político vigente. Em Angola como em todos as outras sociedades, o tempo se incumbirá de trazer a verdadeira LIBERDADE, o poder pensar e falar. Nesse tempo, estaremos educados para falar e ouvir. Saberemos respeitar as divergências. Saberemos acompanhar a sabedoria universal.
chr
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