sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O Beco do Eloi

Das fendas das portas e janelas nas paredes de blocos ventavam panos coloridos, desses que só em África ventam das fendas de portas e janelas nas paredes de blocos.

O sol lá fora castigava, o dia ia ao meio. Estávamos perdidos havia mais de duas horas nas nuvens de poeira que subiam do chão do Cazenga. Fui parar ali, filmadora na mão, para acompanhar o trabalho de ativistas na luta contra a VIH-Sida, ou o HIV-Aids, como chamamos no Brasil.

Finalmente encontramos o lugar que procurávamos, mas não havia mais panos coloridos a ventar pelas fendas onde também não existiam portas e janelas. As casas eram caves ocas de humanidade, cavernas modernas construídas com blocos e cimentos para abrigar os restos daqueles seres excluídos dos pequenos prazeres da vida normal.

Mulheres alheias de tanta liamba e biricoca, com as caras partidas nas brigas da noite passada, lábios rompidos, poucos dentes na boca, apertavam os corpos deformados em decotes e pequenas bermudas. Corpos que deveriam parecer atraentes para clientes que pudesssem pagar 300 kwanzas (4 dólares) para sarrar.

As ativistas já conhecem essas trabalhadoras do sexo. Tentam atrair-lhes a atenção, distribuem preservativos, mostram num pênis de madeira a forma correta de colocá-los, mas os olhares estão perdidos na noite eterna dessa vida sem ternura, sem esperança.

Eu já andei muito por este mundo, cinco países só em África, seis na América Latina. Nunca havia visto sítio mais triste do que o Beco do Eloi, no Cazenga.

2 comentários:

Mayra disse...

só você pra fazer uma descrição tão bonita de uma realidade tão triste.
lembro-me de uma menina que conheci numa ong. ela me falou que se a vida dela era essa é porque ela devia ter feito algo muito ruim pra deus, porque ele sabe bem o que faz e essa tal dessa vida com certeza era castigo.
o mais triste é que ela nem sabia mais se acreditava em deus.

Migas disse...

A descrição está bem real, a imaginação leva-nos a essa realidade que nos parece impossível de considerar verdadeira. Interessante o teu último parágrafo, F. Mas, tremendamente triste. :o(