terça-feira, 25 de março de 2008

O leite de cada dia

Andando por Luanda lembro-me sempre da transformação que as mulheres que conheço sofrem na maternidade. Os cuidados com que cercam os bebês, as precauções para evitar a exposição a bactérias e vírus nas primeiras semanas de vida, o ritual da amamentação, com o sofrimento das dores no peito.

Tudo isso me volta à lembrança porque, a todo momento, encontro mulheres angolanas amamentando seus bebês nas condições mais impróprias. Elas os amamentam nas calçadas cheias de lixo, com o esgoto correndo ao lado, enquanto fazem tranças nos cabelos umas das outras, vendendo mercadorias em bacias encardidas. E não param para observar o bebê mamando. Movimentam-se com o filho grudado ao peito como se tivessem um pacote no colo.

Nunca vi nenhuma delas limpando o bico do seio antes de enfiá-lo na boca do inocente. Vão logo tirando da camiseta, totalmente suadas com o calor infernal desta cidade. Fazer a criatura arrotar, então, nem pensar.

Talvez seja um comportamento cultural, coisa de quem tem um filho atrás do outro. Talvez seja apenas falta de tempo. Bem ou mal, o filho já está se alimentando; elas, na maioria dos casos, ainda precisam batalhar a refeição daquele dia.

6 comentários:

Flávia da Costa disse...

Esta eu posso te explicar bem: A mulher angolana é o tesouro deste país. Elas são fortes mesmo, meu amigo... Eu me sinto a mulher mais fraca do mundo quando converso com estas senhoras. Precisam trabalhar, os homens são os reprodutores e não provedores. Então estas mulheres aprendem a se virar! Elas tem conceitos próprios porque têm muita experiência, exemplo: Só querem parto normal, mesmo quando há indicação médica para cesariana; Amamentam até a criança atingir 2 anos de idade, para ter certeza que a criança esta se alimentando. Sãolutadoras, e esta é a única explicação!

Anônimo disse...

Pelo visto, a mulher angolana é a própria essência da maternidade, em que pesem todas as condições adversas. Ironicamente é um traço cultural preservado pela ausência de educação e tecnologia.
Prof. R

F. disse...

Flávia, de fato você tem razão sobre a força da mulher. Aqui, como em outros países da África por onde passei, elas estão sempre trabalhando. Não se vê mulher esmolando na rua, só homem. Prof. R, você também tem razão quanto à ausência de educação que preserva o machismo como traço cultural. O homem africano se impõe pela força, mas quem carrega o continente na cabeça (literalmente) é a mulher.

Anônimo disse...

Impressionante! Mas o índice de doenças nessas crianças deve ser alto também, né?
Celina

Anônimo disse...

Eu fico pensando em uma situação de caos... Isso infelizmente é minha idéia de Luanda e fico pensando o quão enganada eu possa estar.
Já trabalhei com gente pobre em hospitais públicos de áreas carentes no Brasil, já chorei durante o plantão por ver um velhinho que usava muletas feitas com galhos de árvore, já sofri muito com a miséria que me rondava... Mas Angola deve ser um teste ao coração das pessoas.
Quanto ao leite materno, eu não sei nem o que falar. Eu acho que só milagre mesmo pra ajudar este povo tão sofrido.
Andei lendo e me parece que a expectativa de vida em Angola fica em torno de 37 anos. Que mundo é este???

F. disse...

Olha Celina, não tenho essa informação. As crianças são lindas, sorridentes, espertas e extremamente amáveis conosco. São meio barrigudinhas, mas não sei se isso significa doença. Paty, segundo dados do PNUD no último IDH, a expectativa de vida é de 41 anos. A sua pergunta continua valendo: que mundo é este?