Caso 1 - Quarta-feira passada, município de Kakolo, a 150 quilômetros de Saurimo, na Lunda Sul.
O formador acaba de passar duas horas explicando a uma classe de mais de 40 voluntários as regras da vacinação. Angola elegeu 2008 como o ano da erradicação da poliomielite. Este fim de semana aconteceu a terceira fase da campanha neste ano. Toda a criança de 0 a 5 anos deve receber duas gotas da vacina contra a pólio.
Para aproveitar a mobilização, o Ministério da Saúde decidiu aplicar também doses de vitamina A e de albendazol para matar os parasitas que atacam as crianças. É aí que começa a confusão, porque as doses mudam de acordo com a idade.
O formador organiza um exercício. O primeiro voluntário, na frente da classe, começa a explicar:
- A pólio deve ser aplicada a crianças de 0 a 3 anos...
O formador interrompe para dar mais uma chance: Qual a idade?
- Ah, quer dizer, de 0 a 6 meses.
Duas horas depois, o jovem não havia conseguido registrar a informação mais simples de todas. Isso acontece porque os vacinadores são recrutados entre estudantes que se apresentam para ganhar uma camiseta, um boné e 7 dólares de refeição por cada dia de campanha.
Os jovens, apesar de freqüentarem a 8ª e 9ª classes, demonstram uma dificuldade muito grande para entender as regras básicas da vacinação. O problema não é do idioma, porque o formador é angolano. É da capacidade de compreensão dos alunos mesmo.
Por que o pessoal da saúde não é envolvido na campanha?, pergunto ao formador. Não teríamos gente suficiente, ele diz. Em Kakolo, são 15 equipas de três vacinadores, seriam 45 pessoas. E só existem 30 enfermeiros.
Mas porque os enfermeiros, então, não são chamados a liderar as equipes, mesmo que os outros dois fossem estudantes? Eles estariam mais preparados para evitar dosagens erradas.
- Os enfermeiros? Eles não aceitam participar sem ganhar extras. Por isso temos de recorrer aos estudantes.
Caso 2 – Sexta-feira, município de Saurimo, 8h30, início da campanha.
A campanha deveria ter começado às 7h30, mas uma hora depois os 450 vacinadores da cidade disputam, no pátio do hospital municipal, as camisetas e os kits de vacinas. Reina a desorganização.
Uma equipe finalmente parte para um bairro. Casa escolhida, um menininho de 4 anos vai receber a dose de pólio, o vacinador tira o frasco da geleira de isopor, abre o lacre. Pega o conta-gotas e... O conta-gotas não serve no frasco.
Os kits foram montados com o lote novo de vacinas e o lote de dosadores comprados na campanha do mês passado. Os frascos são diferentes, os dosadores não servem. É impossível aplicar a vacina.
Claro que não se pode condenar a campanha toda por estes dois exemplos de uma província. Mas saí com a impressão de que Angola ainda vai ter de lutar por muitos anos contra a Pólio.
Uma bailarina de peso
Há 5 dias
3 comentários:
Parabéns pela dupla nomeação nos prémios BOBs 2008 (melhor weblog e melhor blog em portugues).
Cumprimentos
Eugénio Almeida
Na realidade, os anos perdidos na guerra deixaram muita coisas por ensinar/aprender. Isto com o tempo vai lá mas, parece-me que também é preciso vontade. E, às vezes dá a entender que a vontade também falta. Não há dinheirinho, então não há trabalhinho, mesmo que por uma causa social... Mas ao mesmo tempo, às vezes também é difícil criticar, sem saber como é viver na situação que muitos profissionais vivem. Enfim, como se costuma dizer, é uma pescadinha de rabo na boca.
Abraço
Um dia compreenderemos que nada é tão êfemero como a vida neste planeta e com ela o egoísmo, a vaidade exarcebada, a ambição desmedida, o poder. Aprenderemos que aqui é para se obter créditos com doação.
chr
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