sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Óbito em 3 actos

O Fernando Baião já falou sobre o óbito aqui nesta casa e eu, não pude adiar mais escrever sobre este tema. Não posso, porque esta manhã o óbito tinha direito a reportagem e eu não posso esquecer-me de recordar isto mais tarde. Passo a explicar. Quase todas as semanas, vejo sair do Hospital Josina Machel, alguns candongueiros com o falecido atrás, familiares e amigos sentados ao lado. Regra geral a porta das traseiras vai aberta e, depressa eu tento ultrapassar o hiace azul e branco porque, confesso que é coisa que não me agrada nada, logo às 6h da manhã. Mas eis que hoje, o óbito tinha direito a reportagem! Um dos “convidados” trazia uma câmara de filmar e, fazia o resgisto da manhã cizenta desse dia triste. A situação foi bem cómica! Depressa imaginei que, uns dias depois, a família reunia-se para ver o filme, obviamente com musiquinha triste de fundo e, recordariam aquele triste dia! My god! Eu juro que até sou uma garota compreensível e que entendo quase todas as tradições do angolano. Mas este tema é algo que me faz uma confusão tremenda e, não consigo encontrar o interesse em captar a imagem de um dia tão triste e que, qualquer um deles devia preferir apagar da sua memória. Mas será o óbito, nos dias de hoje, sinónimo de tristeza ou, motivo de festa?
Há quem diga que sim. O Alfredo, um dos moços que trabalhou comigo dizia que já existiam óbitos com DJ. Que eu já sabia que os óbitos eram locais para se rever familiares e amigos, comer e beber e, quem sabe, arranjar uma cara metade, isso eu sabia. Mas óbitos com DJ??? Ok, já é algo muito à frente para a minha cabeça.
Há também os que tentam mostrar que produzem um bom óbito. Assim parecido com os casamentos. Há quem se esforce (isso em todo o mundo) para produzir um grandioso casamento mesmo que isso, signifique uma dívida familiar. E nunca se pode deixar de fazer o tal casamento na quinta porque, a prima também o fez. Não pode ficar atrás, né? Pois bem, em Angola, esta “regra” também funciona com os óbitos. Certo dia, uma vizinha decide deitar a água de lavar a louça na rua. Mesmo ao lado, celebrava-se um óbito e, depressa os familiares do falecido discutiram com a vizinha “lavadora de louça” e acrescentaram: ela tem é inveja do nosso óbito. Quê??? Inveja? Não que eu seja uma garota invejosa mas, se há coisa que eu não invejo mesmo é, a morte nas famílias dos outros!!!

Tudo isto pode, ou não ter uma explicação. Há quem diga que, o angolano sofreu muito com a guerra e que, por as mortes serem tão frequentes, fazer do acontecimento uma pequena “festa”, traria talvez menos dor aos familires próximos. Sei que, para mim, a morte de alguém vai sempre significar tristeza e saudade. É sempre um golpe duro, mesmo que não seja familiar ou amigo próximo. Talvez a garota cresça e possa ver menos tristeza nestes momentos mas, sinceramente, prefiro continuar a pensar assim. Por agora.

7 comentários:

Anônimo disse...

É uma cultura diferente. Eu não a tento compreender, aceito-a e pronto. É mais fácil. Tal como há hábitos nossos que são difíceis de compreender noutras latitudes.

Anônimo disse...

Desculpem mas isto não tem nada de tradicional angolano. As pessoas mararam. A guerra, as dificuldades da vida, as mortes sucessivas por doença, enfim, um sem número de problemas que afectam hoje o povo angolano.O DJ é pago, o fotógrafo recebe dinheiro e o operador do filme leva o kumbú da família do falecido.O óbito virou negócio, tudo serve para levar algum de alguém.Vamos fazer mais como então?

Migas disse...

Pois não terá Fernando. Acredito que no passado nada disto acontecesse mas o que é certo é que, nos dias de hoje é comum. Digamos que talvez seja uma evolução das coisas, que nem sempre é positivo. Mas convenhamos que: se há quem pague o dj, o fotógrafo ou o camera, é porque significa que pode haver esse mercado, não? Ah, esqueci-me de um epísodio que vi também no cemitério do Alto das Cruzes em que um dos participantes seguia com a camara fotográfica na mão... Mas nem sei se serão pagos. Confesso que achava que eram familiares (mais afastados, claro) ou amigos/colegas/vizinhos...

Anônimo disse...

Este problema dos funerais no nosso país começa a preocupar seriamente as pessoas.Cenas caricatas se passam nos enterros da alta burguesia emergente. Começa pelo elogio fúnebre. O defunto foi sempre um homem virtuoso e honesto, bom chefe de família, cumpridor dos seus deveres e respeitador das leis do país.Mas todos sabem que em vida o finado não era nada disso, tinha várias amantes, filhos aqui e acolá e a sua honestidade deixava muito a desejar.Depois começa o xinguilamento e os gritos das carpideiras quando o caixão vai descendo para a cova.Mas de repente,toca um telemóvel bem sonante e todo o mundo leva a mão ao bolso, mas era o telemóvel do defunto que estava a tocar. Ou alguém se esqueceu de o retirar do casaco do morto, ou como mujimbou um amigo meu, a viúva, como desconfiava que ele tinha uma conta numerada na Suiça, o colocou no caixão para quando ele se arrependesse, telefonar a dar o código.

Anônimo disse...

Fernando Baião, parabéns pela perspicácia do comentário. O mercado está mudando a cultura.
chr

Anônimo disse...

Ontem num jantar em conversa puxa conversa, estava eu a comentar que neste momento de crise na Europa (e no mundo) estava a pensar abrir um negócio (aqui em Portugal) e fui atirando ideias, uma amiga minha que mora em Luanda, disse se fores para Luanda, neste momento, o que dava bué de dinheiro era uma cena tipo funerária daquelas que embelezam os mortos ... mercado há!!!
Eu sabia que a nossa amiga migas sabia cozinhar mas ela andava escondida com o seu jeito muito BOM pra escrever histórias. Parabéns!!!

Beth/Lilás disse...

Com licença, pessoal desse blog amigo!
Tenho lido com interesse o que esta equipe narra aqui sobre estas diferenças aí em África, que para nós soa muito diferente. Entretanto, vejam o que eu acabo de descobrir percorrendo a blogosfera; a notícia não é nem tão nova, mas vejam que até na Europa o tema "morte" já está sendo tratado com olhos de ganhos financeiros.
O link é este:
http://diario.iol.pt/noticia.html?id=885055&div_id=4071