segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Pele
Anacleto Dias é morador do “Hotel Cave”, conjunto de casarões em ruínas ocupado por muitas famílias. No dia em que nos encontramos, passávamos eu e João, jornalista e amigo brasileiro, pela Mutamba, região central de Luanda, quando nos deparamos com a precária subida de cascalho que leva até as moradias. Do alto do morro um grupo acenava em nossa direção, aparentemente fazendo algum convite. Entre hesitantes e curiosos, resolvemos subir.
Todos tomavam cerveja e nos ofereceram. Foram muito receptivos.
Conversamos sobre política e esportes. Anacleto era dos mais entusiasmados. Demonstrando ser bastante informado, deu-me uma verdadeira aula sobre basquete e futebol. Conhece a trajetória de todos os atletas brasileiros desses esportes pelos times dos EUA e Europa. Fala de cada um com intimidade. Digo a ele que estou muito impressionado com o grau de informação que revela. Ele, tímido e sorridente, diz que sente o mesmo, mas pela minha ignorância. “Nem parece brasileiro”, diz. Falo que me deixou envergonhado. Não se contém e dá muitas risadas.
Quando o assunto é política fica sério. Diz ser partidário da Unita, como a maioria dos moradores do local. A Unita é o principal e praticamente único partido de oposição. Travou sangrenta luta contra o MPLA, logo após a independência do país, em 1975. Foram 28 anos de guerra, mortes e muita destruição. Por histórias semelhantes passaram quase todos os países da África negra.
É muito raro encontrar em Luanda quem assuma simpatia pela Unita. A polaridade entre os dois partidos, para muitos, ainda significa sangue. O MPLA, partido que governa o país desde a fundação do Estado angolano, cujo governo mantém total controle sobre os meios de comunicação, faz intensa campanha para demonizar o rival. O Jornal de Angola, único periódico diário do país, é estatal. O presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 29 anos, está quase todos os dias na primeira página. Recebe tratamento entre messiânico e faraônico.
Quando cheguei ao cortiço, Anacleto estava sem camisa. Ao pedir para fotografá-lo tratou rapidamente de por uma camiseta. Disse-lhe que continuasse como estava. Achava mais bonito. Com olhar de estranhamento, aceitou.Durante a sessão de fotos indaguei sobre a ausência de material visual da Unita. Lenços, camisetas, bonés, chaveiros e bandeiras do MPLA são moda pelas ruas de Luanda. Respondeu-me que MPLA é para fora e, batendo com o punho fechado no peito, que “a Unita é aqui dentro”.

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