Recém-chegado a Luanda, chamou-me a atenção desde o princípio a espontaneidade e a alegria das crianças. Morávamos então numa casa encravada num musseque na Ilha e elas sempre nos brindavam com seus sorrisos e seus "oi amigo, oi amiga" a cada vez que colocavámos os pés para fora de casa. Muitas viviam sujinhas, como referiu a Migas no post abaixo, o que nunca nos impediu de tocá-las ou de brincar com elas.
O que me intrigava mais, conforme ia conhecendo mais gente, era como aquelas crianças tão doces podiam se transformar em adultos tão egoístas, tão desconfiados de tudo e de todos.
Em que momento elas perderiam aquela alegria para transformarem-se nos motoristas irresponsáveis que arriscam a vida de todos no trânsito, nos desocupados sempre bêbados pedindo dinheiro nas ruas, nos cidadãos sem nenhuma preocupação com o próximo que furam as bichas e estacionam os carros trancando a saída dos outros?
Essa dúvida, em parte, foi desfeita por estas informações, que encontrei no Baía do Tigres, do Pedro Rosa Mendes. Elas fazem parte de estudos conjuntos realizados pelo Christian Children Fund e pelo UNICEF, entre 1995 e 1997, na província do Bié. O relatório, foi divulgado em outubro de 1998:
- 97% das crianças estiveram expostas a situações de guerra;
- 27% perderam os pais durante o conflito de 1992 a 1994 ;
- 89% estiveram expostas a bombardeamentos;
- 66% assistiram a explosões de minas;
- 66% viram pessoas a morrer ou a serem mortas;
Entre os rapazes:
- 10% participaram de combates;
- 33% sofreram ferimentos;
- 38% foram expostos a maus tratos.
A esperança reside, nas crianças que nasceram depois a guerra, como bem mostrou este post das Cenas Luandenses, do Diário da África.
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