segunda-feira, 26 de maio de 2008

A Grande Família Angolana

Todos estão sentados à volta da mesa, a comida pronta a ser servida e tia Justina acende o cigarro.

- Epá, mãezinha. Não vais acender isto logo agora.

Quem se queixa é o Oscar, que apesar de tratá-la por mãe, é enteado. Filho do primeiro casamento do tio Joaquim, já falecido. Com mais de 70 anos sulcados na face, tia Justina não lhe dá bola.

Ela foi a segunda mulher do tio Joaquim. Tiveram quatro filhos: três mulheres e um homem. Oscar vive ali pela sua casa como se filho fosse, mas a mãe verdadeira dele vive em Portugal.

- Nos falamos sempre, porque esse menino dá-me na paciência – queixa-se tia Justina. O “menino”, no caso, tem mais de 60 anos.

Em torno da mesa estão também o filho Manoel, duas das filhas, um genro, o Ricardo Lobo, que é mesmo tratado assim, pelos dois nomes, e dois sobrinhos da tia Justina: a Natália e o Eduardo, filhos da tia Mariana.

Tia Mariana mora na mesma rua, mas não veio. Com quase 90 anos, caminha com dificuldade. Tio Joaquim era irmão de tia Mariana.

O Manoel, esse sim filho mesmo da tia Justina, está com uma filha de três anos, Carolina. Nasceu de uma relação com uma moça que não chega a ser a segunda mulher do Manoel, já que não vivem juntos. A primeira mulher está em Portugal com as outras três filhas dele, que tia Justina vai visitar em julho.

O Ricardo Lobo conta histórias do tempo em que as festas começavam em Luanda antes das dez da noite e só acabavam depois das 5h30 da manhã.

- Tínhamos o toque de recolher e ninguém podia sair de casa nesse intervalo. À meia-noite a festa parava para que pudéssemos assistir à novela Gabriela.

A Natália lembra que O Bem Amado fazia o mesmo sucesso.

- Os políticos daqui começaram a imitar o jeito do Odorico Paraguaçu falar.

Todos já estão a fumar e a beber cafés com licores, e a relembrar os tempos de pato de Ricardo Lobo nas festas alheias.

- Certo dia chegamos eu e um amigo e o gajo na porta nos interpelou: “Os senhores são convidados?” Dissemos, claro que somos. E ele: “Da parte de quem?” E eu disse, da Noiva. E ele: “Ó desculpa lá amigo, mas isto aqui é um batizado”.

Todos caem na gargalhada.

Chega o tio Rafael, médico. Qual é mesmo o parentesco do tio Rafael? Natália tenta explicar:

- É assim, o meu tio Armando, irmão da minha mãe Mariana e do tio Joaquim, teve uma namorada, tás a ver? Eles viveram um tempo juntos, depois separaram-se, mas ela continuou amiga da família. Depois ela casou-se com o tio Rafael. Ela já morreu agora, mas o tio Rafael virou nosso tio.

Tás a ver? Assim é um domingo de uma típica família angolana, cheia de agregados e histórias dos tempos passados.

P.S. – Os nomes deste post estão todos trocados, claro, porque Luanda é uma cidade muito pequena.

14 comentários:

Migas disse...

Adorei este post! Tão real. Tão bem descrito! :o)

beijo

Anônimo disse...

Oi F.daqui a pouco você tá virando escritor da terra. Gostei, porque me faz lembrar os tempos idos quando ainda toda a família angolana se reunia para falar dos seus mambos. Hoje, com os problemas que estamos com eles, estes domingos começam a ser mais raros.

Menina de Angola disse...

Nossa que delicia de texto, até dá para sentir o aconchego da mesa rodeada pela família...

Uma das coisas que eu mais gosto aqui em Angola são dessas histórias contadas com o sorriso nos olhos...

bj

Anônimo disse...

Maravilha este post, repetindo os kambas de cima, muito bem escrito. A minha adolescência foi passada com o "recolher obrigatório" da meia-noite às 5h da manhã, era assim que vivíamos as festas ... e também "patei", e inclusivé num casamento na ilha ... que era mesmo casamento ;-)

Anônimo disse...

F. texto para emocionar, não importa o espaço e o tempo, é comunhão de família, laços sanguíneos e sentimentais. Adorei. Parabéns!
chr

Anônimo disse...

Quer saber? O que importa mais do que ver o povo realmente feliz. Claro, existem as responsabilidades. A cultura é o grande crivo para traçar os limites, tolerância e intersecções de todos os interesses da sociedade, bem como suas possibilidades e o esforço que se espera de cada um. O mais importante, a consciência do que realmente se quer. Já fui radical, atualmente me ponho a apreciar a evolução da sociedade, seus encontros e desencontros. Todavia, creio que caminhamos para a fraternidade Universal. Aqueles que viverem, verão.
Abraço F. e P.

Anônimo disse...

Maravilha mesmo. Parece que vi a cena no momento em que estava acontecendo!
A propósito, no Brasil também é assim. O lado materno da minha família é todo assim: faz-se um panelão de comida porque sempre tem um a mais se juntando na hora do almoço. Meu avô perpetuou isso e disse que na casa dele podia não ter luxo, mas arroz e feijão não se nega a ninguém. Cresci vendo coisas assim. Eu acho muito alegre uma casa cheia, mesa rodeada de gente! Domingão família (sem Faustão, por favor!!!), mas também gosto dos meus momentos de silêncio. :) Bjs.

F. disse...

Migas e Menina de Angola, o almoço foi mesmo muito divertido. Por isso o texto ficou bom ;o)
Fernando, vindo de você, esse elogio é ainda mais importante. Obrigado!
Kianda, quem nunca patou que atire a primeira pedra! (hahaha)
CHR, esse convívio famíliar é uma das coisas de que mais sinto falta sendo expatriado.
Paty, lamento te dizer isso, mas eles adoram o Faustão aqui. Se você tentar falar mal dele, vai ficar mal na foto (sério!). Bjs.

Anônimo disse...

F, olha, não há dúvida que o convívio familiar é importante na vida de um ser, sobretudo quando se está longe. Mas o que eu verifico, em Luanda, é que, infelizmente, na maioria dos casos, as pessoas se isolam em comunidades, angolanos de um lado, brasileiros e portugueses de outro, apesar de falarem a mesma língua.Tem gente boa em todos os lados, o angolano, por essência gosta de receber bem, nos convivios dá o que tem e não tem. Força, façam amigos angolanos com mais intensidade, ajuda a conhecer o país onde vocês vão viver algum tempo da vossa vida, e perder tempo, é morrer.

Anônimo disse...

Olá sou brasileira e noiva de um angolano, não sei se vcs poderiam me dar uma "luz", estamos precisando de um atestado de antecedentes criminais do meu noivo aí de Angola, acontece que ele não tem parentes aí (ele cresceu na África do Sul), vcs sabem como eu consigo isso? Pq vamos nos casar em junho e para o pedido de permanencia aqui na PF precisa dos antecedentes...Desde já obgd! Meu email: claudetesousa@bol.com.br

Flávia da Costa disse...

Caramba, que prazer eu tenho em ler este blog!
Fernando, obrigada pelo "perder tempo é morrer" Isto tira o desânimo de qualquer um da melhor maneira que pode existir: Com lógica.

Bjs!

F. disse...

Flá, viu só o que cê perdeu? Devia ter ido nesse almoço com a gente... Bjs.

Olá Claudete, vou escrever um e-mail mais detalhado a você sobre esse assunto, mas já te adianto que não vai ser nada fácil. Todas as questões que envolvem autoridades policiais aqui são bem morosas. Acho que o seu marido deveria buscar ajuda no Consulado de Angola que fica no Rio de Janeiro. Fica na Av. Rio Branco, 311 - 2º andar - Centro
CEP: 20040-009 - Centro - RJ/RJ Tel: (21) 3526-9439. O site é www.consuladodeangola.org.

Unknown disse...

quem é o amigo?
é um unico alma que vive em dois corpos...

Unknown disse...

Olá gostaria do seu e-mail para coversarmos, gostaria de saber mais sobre está Tia Mariana... se é a mesma pessoa que procuro.

salath_ell@hotmail.com

Certo do seu contato Muito Obrigado