sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Para um 2009 mais tranquilo

As palavras continuam a fazer parte de mim. Escrevo e guardo para um dia não esquecer tudo aquilo que eu quero recordar. Da Luanda que não pára. Da Luanda que acorda cedo e dorme tarde. Da Luanda que, a cada dia que passa me dá coisas boas e más. E é dessas coisas boas e más que vou escrevendo por aqui. Das viagens, das pessoas que, de certo modo me marcam, dos momentos de solidão, de saudade, das mudanças em mim. E quando escrevo das coisas más, que me revoltam, não significa que Luanda seja má ou que as pessoas sejam más. E eu compreendo que muitos não gostem de ler. Porque os meus olhos vêm coisas que outros olhos não vêm. Sobretudo aqueles que vivem fechados neste seu mundo, só deles, que querem só para eles e, que se recusam a partilhar com os novos que chegam ao seu país, à sua cidade. Que comem da sua comida, que se enamoram pelas suas mulheres, que ouvem a sua música, que vivem no seu país como se fosse um pouco deles também. Mas eis que, mesmo quando se fala do bom que Luanda tem, da música que se pode ouvir, das praias onde se pode ser feliz, as vozes revoltadas continuam a aparecer. Porque enquanto os ricos ouvem a música e nadam no mar quente, os pobres continuam a comer restos, os pobres continuam doentes, os pobres continuam sem futuro. E afinal, o que é suposto escrever sobre Luanda? Nada? Sim. Acho que nada. Porque de alguma forma, as palavras que se escrevem continuam a revoltar. A nossa realidade é sempre a realidade dos olhos de quem não é desta terra. E por isso, a vontade de escrever e partilhar, desaparece. Desaparece a cada dia que passa. A paciência, desaparece também. Porque Luanda não está preparada para admitir que não tem muita coisa. Porque Luanda não está preparada para admitir que tem muita coisa para dar. A todos. Não só aos ricos como muitos insistem em chamar-nos. Não vou justificar a minha vida, ou a vida de todos os que aqui escrevem. Não vou justificar porque somos infelizes e felizes nesta Luanda. Vou apenas justificar porque as minhas palavras fogem desta Casa. Porque nenhum de nós veio com a missão de mudar a realidade. Nenhum, isoladamente, tem a missão de mudar Luanda. Aos que gostam de nos ler, mesmo que não concordem sempre, obrigada. Aos que se riem connosco, obrigada. Aos que relebram um passado presente na memória retalhada, obrigada. A todos, os votos de um 2009 diferente. Melhor. Sempre melhor. Mesmo que o melhor seja pouco. Mesmo que o melhor seja quase nada, para mim ou para todos os de Luanda. Aos que são a pedra no sapato para quem escreve sobre a realidade que vive, um abraço e um queijo e até mais logo. Porque a sua existência mais lembra a de um velho, amargurado pela sua infeliz vida, que lhe foge, mas que nunca nada fez para a mudar. E vive assim. Infeliz. A maldizer a sua sorte e a dos que o rodeiam. Luanda precisa de pensamentos positivos. Não de velhos deprimidos e amargurados com o destino da sua Luanda. Não é um adeus ou um até já. Porque não sei se realmente vou voltar a querer escrever.

15 comentários:

Anônimo disse...

Migas,

Compreendo. Mesmo agora, quando deixa transparecer desânimo.
Foi um prazer lê-la por aqui,será um prazer continuar a lê-la desde que seja essa a sua vontade.

Um abraço.

F. disse...

Migas, você era a minha esperança de continuidade desta Casa que, como sabe, está com os dias contados. Mas claro que entendo o que sentes e respeito a tua decisão, seja ela qual for.

Bjs,

Migas disse...

Allô! Ora bem, que se discorde, tudo bem. Que não se concorde com tudo, também tudo bem. Agora que se insinue coisas tão feias, como já se viu por aqui, não. Definitivamente não. Nem vale a pena perder a nossa beleza por isto! :o) Criticamos: somos racistas, não sabemos dar valor a quem nos paga o salário, estás mal, muda-te. Diz-se bem e, não deixam de aparecer uns comentários anónimos que, enquanto vamos ver o espetáculo x ou y, os pobrezinhos morrem com fominha e comem restinhos. E não só na Casa, noutros blogs também. Que coisa! Como só em Luanda houvessem emigrantes, pobrezinhos e famintos. Como só em Luanda, houvesse miséria. Como só em Luanda, houvesse ricos e pobres. Definitivamente, esta gente não sabe o que quer e eu, nem estou para me chatear com brutos e burros. Já me bastam os das obras que têm dose q.b. destas duas "qualidades". ah ah ah Não gostam, não comem. Fácil, fácinho, que a migas ou os outros moradores da Casa, não têm nada a perder.

Falar sobre quê, então? Ora bem, podemos sempre falar sobre o tempo. Que, ao que descobri ontem, é parreco, aqui em Luanda. ah ah ah Uma biricoca no findi, a quem descobrir o que é (angolanos não vale, né? era injusto). O FBaião pode sempre cá vir dar umas pistas enganadoras, não? ah ah ah

Beijos

João Paulo Toledo disse...

Continue escrevendo! (com todas as vírgulas!)
Um abraço e bom 2009,
JPT.

Anônimo disse...

Migas: não a conheço pessoalmente mas gosto muito do modo como vc escreve, com um certo humor, muita coerência e inteligência.Parabéns por tudo que escreveu , mas acho que vc ainda vai escrever mais neste blog (alguma coisa me diz isso). Abraços, RD

X disse...

O Blog Casa de Luanda tem que continuar existindo, mesmo que nós agora estejamos tão longe uns dos outros. Migas, dê alegrias a esse miúdo aqui, que gosta tt do que você escreve. Eu estou doente de saudades de Luanda, se a Casa fechar, vou morrer.

kandanda disse...

Migas:

A arte não é consensual...se o fosse não era arte! A realidade não é consensual...existe nos sentidos de quem a absorve e assimila. Cada um a prenhe de formas e ideias par ler a realidade...tem um código de leitura. Eu, para não ser obtuso, tenho que ter a visão dos ângulos de todo o prisma de descodificação do quotidiano, mesmo que ofusquem a minha construção da realidade. O unitarismo é redutor e narcotiza a clarividência...continue a escrever porque ajuda a construir a visão de quem de longe gosta de ter todos os ângulos dessa terra que me viu nascer...ANGOLA!
Sinto-me bem quando também leio o que escreve!

Kandanda

Anônimo disse...

Em toda a parte do mundo tem gente que nasceu para dar cabo da cabeça do próximo, e Luanda não pode ser excepção, pelo contrário, é a regra. Criticam tudo e todos e se você é estrangeiro e de pele clara, então o caso é mais grave.Se não é colono, é neocolono, se é branco que vá para a terra dele, português é ladrão e brasileiro aldabrão, se fala francês ou inglês já é um senhor (monsieur ou gentleman).Angolano está traumatizado com o que vê à sua volta, miséria, prostituição, doenças, falta de água e, luz nem se fala, educação está pelas ruas da amargura, os diplomas aparecem com a "gasosa", os hospitais deixam muito a desejar e as clinicas só com notas verdes, cabeças grandes.A guerra também é culpada, mas não pode servir de desculpa para tudo, para a falta de civismo, para o insulto, para o atrevimento, finalmente, para o racismo.Portanto, caros amigos, que são do outro lado do Atlântico ou do Portugal à beira-mar plantado, firmes, estejam conscientes do trabalho que estão a desenvolver, critiquem o que têm a criticar pois é aqui que vivem, e tem muito angolano, que ainda não enmaluqueceu e sabe apreciar aqueles que aqui estão a ajudar-nos a criar um país melhor. Infelizmente, também há os maus expatriados, mas vamos fazer mais como então, só o padre Amaro é que dizia que "não havia rapazes maus",mas para além de ser padre era um ingénuo.Querida Migas, vai para junto do mar, respira forte e dá um grito tão forte que o vento o leve para o Norte, mas fica conosco,não só no país como no nosso Blog.Tu escreves bem, és sincera nos teus comentários, vê-se que te preocupas com os problemas do nosso País, mas também sei que não és surda nem gostas de levar desaforos para casa.Mas, malembe-malembe a esperança na mudança será a última a morrer.
Kandandu muito forte para todos vocês, especialmente para o F. que também começa a "quebrar"

Migas disse...

Óbvio que também existem maus expatriados. Eu não sou nacionalista e sei identificá-los muito bem, ao fim de meia dúzia de palavras. Às vezes nem é preciso conhecê-los pessoalmente para lhes tirar a pinta. No entanto, isso não será exclusividade de português, brasileiro, inglês, chinês. Também os há angolanos, noutros países. Bons e maus. Agora, a questão é: será que os anónimos que passam por aqui com os seus comentários insultuosos são os pobrezinhos que comem restinhos e passam fominha e têm os seus filhos na escola pública, na qual a professora só aparece quando lhe apetece porque, raramente vê o salário ao fim do mês? Será que esses anónimos são os que nunca sairam do país, que nunca viram o quanto Angola pode melhorar e mudar? Será que esses anónimos são os nunca pagam 200usd por um jantar, que nunca vão para o Mussulo, que nunca se passeam por carros caros? Pois, não me parece que sejam os pobrezinhos que aqui aparecem. E o que fazem esses angolanos, sempre tão senhores da verdade, pelo seu país? Sabem a resposta, não é? Nada. Nadinha. Nadica. N-A-D-A DE N-A-D-A. E depois venham cá chamar-me de burra que, eu por acaso até enfio a carapuça... ah ah ah Oh, se enfio.

De referir que continuarei no país, Fernando. Enquanto eu quiser cá estar e me quiserem, claro, eu estarei. Se ajudo ou não, nem sei. Pelo menos dou o meu contributo. Se vou mudar alguma coisa? Pouca. Quase nada. Se mudo a vida de alguém? Não. Mas tenho noção que melhoro. Mas também não vou escrever um post dizendo o quanto a moça lá de casa gosta de mim e, o que diz e faz para que eu saiba isso. Porque será? Deve ser porque, todos os expatriados, tratam mal os pretinhos pobrezinhos*. Deve ser mesmo isso!!!

*atenção que os inhos, são irónicos! ah ah ah

Afonso Loureiro disse...

Eu ainda tenho a ilusão de poder mudar alguma coisa. E espero já ter deixado a minha marca nos angolanos que tenho acompanhado.

Infelizmente, há muitos que desdenham do que comem na cantina quando comem pior em casa, para se mostrar superiores. O mesmo acontece com que comenta blogs, escondendo-se no anonimato de pseudónimos cretinos.

Por muitas vezes que oiça comentários racistas, preconceituosos ou só estúpidos, acabo sempre por concluir que as pessoas boas, as que sabem que relato a minha verdade, aquela que vejo e sinto, e compreendem que os meus olhos são necessariamente diferente dos demais, aceitam a minha opinião.

E usando os inhos irónicos, sim, eu também estou em Angola como colonozinho da merdinha, para explorar os diamantezinhos, os petróleozinhos e as mininhas de metaizinhos variados dos pretinhos pobrezinhos e escravizadinhos, ó chefezinho dá-me uma gasozinha!

Jussara disse...

Vocês estão de parabéns tanto que recomendei vosso blog no projeto Meme Blogs que ajudam a blogar, dêem uma olhada no meu post no Emoções seria até interessante que vocês dessem prosseguimento indicando os blogs que auxiliam e os que recomendam a leitura num post em vosso blog.

Agora sobre a postagem, nem Jesus Cristo, Deus em forma de homem conseguiu agradar a todos...

Não podemos nos deixar abater por pessoas submersas no mar da ignorância que não saibam organizar suas idéias e formular críticas inteligíveis...

Aplaudo de pé vosso blog que acompanho com muito prazer por se tratar de assuntos referentes à esta terra que eu amo mesmo não sendo uma de suas filhas...

Desejo de coração que este tempo ruim e chuvoso passe logo, e que um novo alvorecer repleto de alegrias incentive a continuidade deste belo trabalho que tanto contribui à blogsfera.

Jussara Alves
Juiz de Fora/Minas Gerais/Brasil

Lady Grey disse...

Olá a todos e um olá especial á Migas, que acompanho nesta casa e no seu blog. Já não me encontro em Angola porque a minha vida tomou outro rumo, mas conto voltar... em breve. Tenho saudades desse país ... não sei porque... mas tento aplaca-las com um visita diária a este blog e a outros... porquê? porque sim. Sinto-me mais proxima de parte da minha familia que ainda se encontra por aí... a contribuir no que podem e no que sabem para o "desenvolvimento" para a "reconstrução" desse maravilhoso país. É de facto injusto que quem beneficia já desse contributo sejam aqueles mesmo que criticam as suas palavras, aqueles que deviam ser os primeiros a contribuir tambem...mas Angola ainda tem muito que "crescer" e como as crianças "aprender com o exemplo". Um grande bem haja a todos os que contribuem para esta "Casa de Luanda"! Susana Ferreira

Anônimo disse...

Olá Migas e restantes moradores da Casa,
Já pensaram que quando se diz o que se pensa ou o que se vê neste país (ou noutro qualquer que não o nosso), se está a cometer o mesmo erro que os colonos há 500 anos atrás, que acusavam os nativos de andarem nus? Eles não sabiam que estavam nus...
Há traços culturais difíceis de compreender para nós, tal como algumas características nossas também o são para outros povos. Por tudo isso não me parece correcto apontar o dedo sobre as características e defeitos de Angola. É o povo angolano que deve tomar consciência dessas características.
A maioria dos ocidentais quando fala de África é para lembrar os Africanos daquilo que eles não esquecem e não é assim que se contribui para o seu desenvolvimento.
Pensem que os Indianos não passam a vida a acusarem-nos, aos ocidentais, de comermos vaca, nem os Árabes de comermos porco, entre outras coisas...

Anônimo disse...

Cara Migas, quantas vezes queremos ser bons e amáveis, e vemos destruídos nossos propósitos de virtude?

Mas ser bom com quem é bom não é vantagem. O heroísmo consiste, justamente, em ser bom com quem é mau. Em permanecer calmo diante das pessoas irritantes. Em ser generoso com as pessoas egoístas.

Como novata nessa casa, digo que aprendí e conhecí um pouco mais de certos aspectos negativos e positivos do meu país, que até então desconhecia. E isso tanto dos moradores, como também dos outros que comentavam e enriqueciam os pontos aquí levados à apreciação.

Por isso, concordando com AP, nós aida não estamos preparados para aqueles dedos que apontam os nossos defeitos... Mesmo que seja para melhorar algo que não esteja bem, nós recebemos a mensagem ainda com desconfiança, recentimento ou humilhação. Isso não só com os não africanos, mesmo entre nós africanos acontece o mesmo.

Somos bons em aprender maus hábitos e costumes de outros povos, mas péssimos em preservar e fazer vincar o nossos bons hábitos e costumes.

Por isso, nada de desistências pessoal, prá frente é o caminho, e bem hajam as críticas e contra-críticas, porque contra factos não há argumentos.

Patrícia Fernandes "Patyfendes"

Menina de Angola disse...

tsc tsc tsc
Migas querida, não acredito que vc vai deixar que pessoas que não tem o que fazer atrapalhem o seu prazer de escrever!!!

Como vou ficar sem as minhas leituras matutinas???

beijo grande