quinta-feira, 3 de abril de 2008

As vítimas silenciosas

Cristina Ngueve foi acompanhar a cunhada ao posto médico da vila onde morava, em Uíla. Na picada, a cunhada pisou no fio que acionava uma mina de instalação. O artefato explodiu ao lado de Cristina. A cunhada perdeu uma perna; ela perdeu as duas. Tinha 18 anos.

Eva Gabriela acordou numa manhã de 1996, abriu a porta da casa em que morava na província de Kuando Kubango, sudeste de Angola, e quando pisou do lado de fora, explodiu numa mina terrestre que havia sido colocada durante a noite. Perdeu a perna direita. Ela tinha 12 anos na época.

Luisa Miguel Adão Gaspar voltava do riacho, na província do Bengo, com um balde de água na cabeça quando pisou numa mina, em 1997. Passou três meses num hospital angolano. Perdeu a perna e a vista esquerda. Ficou seis meses na Alemanha, socorrida por uma ONG, para tentar reconstruir a face. Tinha 12 anos de idade.

Essas histórias ilustram a pior face do conflito civil que destruiu Angola entre 1975 e 2002. Como me disse uma das 18 mulheres mutiladas com quem conversei, elas não pegaram em armas, não lutaram por nenhum dos lados. Aquela guerra não lhes pertencia. Mesmo assim, tiveram suas vidas definitivamente marcadas pela brutalidade.

As 18 sobreviventes tiveram a coragem de participar de um concurso de Miss organizado pelo governo de Angola, o Miss Sobrevivente de Minas, para chamar a atenção do mundo para o problema. Afinal, ainda existem 2,3 milhões de angolanos vivendo em áreas de risco. Angola ainda tem, já mapeados, 3,2 mil campos minados.

Os mais otimistas dizem que ainda vai levar 30 anos para livrar o país dessa desgraça; os pessimistas apostam em 130 anos.

Para quem mora no Brasil, parece que o Estadão publicou hoje uma matéria sobre o concurso de miss. Mas o cara que escreveu lá não contou tantas histórias de sobreviventes.

10 comentários:

Anônimo disse...

Lembro que a princesa Diana divulgou muito esse problema triste das minas terrestres. Como disse a M. em outro comentário, eu também aprendo muito com esse blog.
Bjos,
Celina

Anônimo disse...

Sensacional a idéia do concurso. Parabéns pela iniciativa de fazer o texto sobre o tema!

Anônimo disse...

Muito informativo, como sempre!
Por isso eu amo blogs, pq contam a realidade vista pq está perto.
E esta Cristina, a primeira do post, parece capa de revista, linda mesmo!!!
Uma tristeza esta história das minas...

Anônimo disse...

P. e F. o trabalho de vocês é muito importante. Tenham certeza que ele mobiliza e é multiplicador de consciências preocupadas com a reorganização da sociedade em torno de uma convivência mais pacífica, juta e ética.
Parabéns.
Beijos.
CHR

F. disse...

Celina: nós também estamos aprendendo muito com este blog. Tem sido uma descoberta a cada dia.
Vivi: você precisava ver a alegria dessas mulheres, sempre rejeitadas pelos homens, pela sociedade, no dia do concurso. Elas claramente sentiam-se valorizadas.
Paty: a Cristina ganhou o prêmio de Miss Simpatia.
CHR: obrigado pelo incentivo, não sei o que fazemos contribui muito, mas se contribuir só um pouquinho, já fará valer todo o sacrifício.

Anônimo disse...

Voces talvez não tenham idéia de como é legal ler sobre um povo que praticamente desconhecemos. Parabéns,a maioria lê mas não comenta, mas aos poucos farão comentários tb, tenham certeza. Beijinhos Regina D.

Marina disse...

F. Vc foi pessoalmente lá no concurso, pelo jeito, né?
Qualquer um entrava? Como é fazer reportagens aí? Tem sempre que falar com assessor de imprensa para entrar num evento? rsrsrs
beijos.

F. disse...

Regina D., a gente também está descobrindo isso tudo, junto com vocês. Obrigado por compartilhar suas opiniões. Bjs
M., essa questão tem dois lados. Para fazer reportagem, em tese, você precisa de uma credencial oficial de imprensa. É uma baita burocracia, então pulei essa parte. Porque também percebi que se você chegar e se apresentar, as pessoas te atendem e dão as informações. Simples como deveria ser sempre. Sem aqueles tipos de assessores de imprensa (vejam bem, não estou generalizando, são só alguns tipos) que mais dificultam do que facilitam a vida dos repórteres. Nesse evento em particular, fui dois dias antes ao organizador, peguei todas as informações, depois entrevistei as candidatas e me deram uma credencial para entrar na festa.

Tatiana Cardeal disse...

Cristina é linda! A foto também :)
Que bom que rendeu uma matéria do lado de cá do Atlântico.

beijos com saudades, pra f e p.

F. disse...

Tati, eu torci muito pra Cristina ganhar porque, apesar de tudo o que sofreu, ela batalha muito. Mas acabou ganhando outra candidata. Ela ficou com o Miss Simpatia.