quarta-feira, 23 de abril de 2008

A riqueza de Cacuaco

Boa Esperança é um ótimo nome para o bairro na periferia de Cacuaco, a 25 quilômetros de Luanda. O que me levou até lá foi a malária. No rastro das ações governamentais para combater essa doença endêmica em Angola, que mata dois milhões de crianças por ano no mundo, fui parar na comunidade empoleirada nas encostas dos morros de terra rachada pelo sol.

Boa Esperança é pobre, não miserável. Tem lá seus problemas com violência, mas nem chega perto das periferias das grandes cidades brasileiras. O maior drama é mesmo a chuva. Ela transforma o chão em lama e os seus 50 mil moradores saem de casa descalços. De sapato, ninguém pára em pé.

Pode faltar dinheiro em Boa Esperança, mas não falta riqueza. É justamente o seu maior tesouro que o projeto de prevenção e combate à malária tenta proteger: as crianças. A espontaneidade e a alegria no olhar delas chama atenção através das lentes.

Elas se divertem com tudo. Com a cobra que acabaram de matar, com o “pula” atrás da câmera que nunca viram, e escancaram-se em sorrisos generosos, para que todos vocês possam experimentar um pouco dessa alegria sincera.

Mas nem todas as crianças que encontrei lá estavam felizes.
O Domingos, por exemplo, não estava sorrindo. Ele tem 5 anos e perde peso inexplicavelmente há um mês. Ninguém consegue saber o que ele tem. Estava na fila com a mãe, Francisca, para passar por um médico do Centro de Saúde.

O Felipe, de 8 anos, estava isolado no compound para tratamento de pacientes com cólera. Era o desânimo em pessoa. Nada do que eu disse, das brincadeiras que fiz, foi capaz de fazê-lo sorrir.

10 comentários:

Anônimo disse...

Este é o nosso grande problema. Todas essas crianças foram chamadas por nós, durante os primeiros anos da Dipanda "O Futuro de Angola", mas hoje, infelizmente de futuro têm muito pouco. O abandono a que são votadas, a fome, falta de assistência médica, sem escolas, é o caminho mais ditecto para o prostituição ou morte prematura. O apoio internacional, só por si não chega.Dói, dói muito, ver o que se passa a tão poucos quilómetros da cidade capital.

Anônimo disse...

Esse problema não é particular nem local, é da humanidade. É necessário que todos, independente de origens, possam contribuir com a sua parte e de alguma forma. Inevitavelmente, até porque assim o planeta exige, a energia humana convergirá em esforços para um ajuste social planetário. A tecnologia e mídia serão aliados, quer pelas omissões, quer pelos excessos, fazendo fluir rapidamente as relações de causa e consequência.
CHR

Menina de Angola disse...

As crianças de Angola são o que há de mais bonito e mais triste. São lindas risonhas, com seus cabelos coloridos cheios de trancinhas e lacinhos. Mas são também as que mais nos chocam. Hoje no caminho para o trabalho eu passei por uma musseque e vi uma criança com deficiência mental acorrentada a uma roda. Até agora não consegui esquecer a imagem. É lógico que a pobresa e a mortalidade infantil não são exclusivos de Angola, aliás o Brasil não deixa nada a desejar, mas aqui parece que as dimensões são muito maiores.

F, eu gostaria de fazer algum trabalho voluntário. Vcs podem me ajudar?

SDC disse...

São Paulo, capital.
Da janela vejo grandes prédios, ao lado grande favela, "pais de contraste" dizem, com ar quase poético. Contraste visível na "riqueza", porque a miséria é igual em cada pedaço deste planeta.
Sem contraste tb. a cegueira voluntária, dos que poder tem, de terem seus corações trancados em cofres, protegidos de se sensibilizarem, sentirem a dor de ver o que fazem e o que deixaram de fazer.
"forças ocultas" disse Janio Guadros, abico.
Grato pelo seu trabalho.

Anônimo disse...

Oi, F. e P.,
As crianças de Angola me impressionaram muito pela beleza das cores enfeitando cabelos e pelos sorrisos irradiando inocência. Infelizmente, posso dizer que foi uma experiência chocante ver também tantas crianças nas ruas, tanta pobreza... E olha que isso foi na capital. Nem consigo imaginar no interior como deve ser.
Mesmo sendo brasileira e estando acostumada a ver crianças-pedintes pelas ruas, em Angola parece que isso me doeu ainda mais no coração. Não sei se é ignorância minha, talvez só uma impressão errada mesmo, mas fiquei com a idéia de que estas crianças não tinham futuro nenhum pela frente, uma falta total de infra-estrutura para que estas crianças progridam na vida.
Aliás, aquele comentário sobre o tempo "futuro" em português angolano não existir, me martelou a cabeça por vários dias. Como pode não existir um futuro? Como pode uma pessoa viver o momento e esquecer que o amanhã está tão próximo?

Anônimo disse...

As nossas crianças
+ de metade dos treze milhões são crianças.Angola tem uma das mais altas taxas de mortalidade infantil do mundo.Abaixo dos cinco anos, 260 mortos em mil nascimentos.A maioria da população de Angola vive na pobreza, sendo que 68% da população urbana vive abaixo da linha de pobreza.A malária, a má nutrição, infecções respiratórias, a taxa de prevalência do VIH,(as crianças orfãs devida à Sida atingem números assustadores, mais de 300 mil9, são factores para o agravamento da mortalidade infantil. Algumas melhorias estão a ser projectadas mas são uma gota no Oceano da nossas crianças.

F. disse...

Caros amigos, pelo que percebi dos comentários, o meu post criou um certo mal-estar, como se essas crianças estivessem todas perdidas... Bem, em que pese serem todos verdadeiros os números postados pelo Fernando, e existirem casos como o relatado pela Paty e pela Menina de Angola, as crianças de Cacuaco são felizes. Mais do que crianças abandonadas em grandes cidades. O Domingos está doente, mas tem um posto de saúde onde pode ser atendido e curado. O Felipe, apesar da cólera, também está sendo tratado. Já é melhor do que vi em outros lugares desse mundo. Sempre há muito a melhorar, mas o que eu queria mesmo era pegar uma carona na alegria das crianças saudáveis para sensiblizar, não para deprimir os amigos leitores. Foi mal.
P.S. - Menina de Angola, acho que talvez possamos ajudá-la. Tens um e-mail de contato?

Menina de Angola disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
F. disse...

Menina de Angola, te escrevi por e-mail. Retirei o comentário em que davas teu endereço, para que comeces a ser importunada.

PCS disse...

Olá F.
Ao folhear o seu blog encontrei este seu post antigo e nos comentários percebi que ajudou alguém a tornar-se voluntário em Angola.
Eu, dentro da minha disponibilidade, também tenho vontade de poder ajudar de alguma forma este país onde há tanto por fazer. Já fiz alguns contactos com ONG's mas até agora não fui bem sucedido.
Será que também me consegue ajudar a ajudar?
O meu email é: psantos4@yahoo.com e gostava de trocar impressões a este respeito consigo.
Cumprimentos